1933. Astúrias. O tempo é de mudança. Depois de uma escalada de violência em que o governo espanhol opta por esmagar qualquer manifestação ou tentativa de revolução (matando com despudor civis a torto e a direito) vemo-nos lançados nas Astúrias, uma região carregada de tensões e prestes a entrar em ebulição.

A narrativa alterna entre as duas faces do conflito: de um lado os mineiros, do outro a família que detém as empreitadas da região. Logo nas primeiras páginas, os mineiros são descritos como homens brutos, sem grande honra, bastante diferentes dos usuais camponeses, homens que vierem de outros locais e que se embebedam em demasia. Mas com o desenvolver da história percebemos que estes homens são, sobretudo, embrutecidos pelas suas condições laborais.

Se trabalhar numa mina já é demasiado duro e perigoso, havendo frequentes acidentes que matam ou lesionam permanentemente, a narrativa da companhia é desumana, encontrando motivos para deixar famílias sem os subsídios inerentes aos acidentes, ou justificando actos bárbaros a favor da maximização do lucro. É, assim, quase normal (se não expectável) que encontrem na bebida o escape para o quotidiano. Ou que, no extremo oposto, acabem por se revoltar com a contínua degradação das condições laborais.

A par com esta narrativa encontramos Tristán, o filho do empresário da localidade, que, para além de ser dono de várias minas na região, é-o também de várias empresas noutros países. Pai e filho apresentam-se como figuras opostas e distantes. Tendo falecido a mãe muito cedo, o pai nunca soube cativar o amor e a empatia do filho. O pai apresenta todas as características de um homem de negócios. Honrado, acreditando-se ser um homem justo e recto que cria condições para os seus trabalhadores, mas que tem em vista a maximização do lucro dos seus investimentos.

Por seu lado, Tristán é um poeta de Madrid. Estudioso, tendo participado na publicação de poesia russa (que, pelas linhas das conversas iniciais, se  pressupõe comunista) e que regressa agora à casa de família, onde é recebido quase que com uma estranha indiferença. Tristán está doente, resultado dos abusos no álcool e no tabaco, e apresenta um físico débil, característico da degradação física da má vida que levou na cidade.

O ponto de contacto das duas faces do conflito é-nos fornecido entre a filha de um mineiro que trabalha na casa do empresário e Tristán. Este dois jovens conversam e apaixonam-se, tentando saltar as diferenças que os rodeiam. Algo que quase parece possível.

Este é o primeiro de três volumes que começa por nos apresentar os dois lados do conflito, intercaladas, por vezes, pelas páginas de um jornal. Se, por um lado, as condições em que os mineiros trabalham são miseráveis, por outro, a extracção já não dá os lucros de antigamente e os empresários procuram novas formas de rentabilizar o seu dinheiro. Alguns diversificam os interesses, outros tentam tornar os seus negócios mais lucrativos, impondo piores condições aos trabalhadores.

Alfonso Zapico utiliza os acontecimentos históricos como pano de fundo da sua história. Explora-os e apresenta-os sob uma narrativa mais próxima e pessoal que nos permite sentir empatia para com as personagens. Esta estratégia (que já vi o autor usar em outras obras como Café Budapeste – disponível em português) funciona bem para dar à história uma fluidez que provavelmente não teria de outra forma. O autor constrói, com competência, personagens, e fá-las interagir de forma convincente, apesar do cliché do relacionamento amoroso entre partes opostas. As personagens têm trejeitos e expressões próprias, bem como as pequenas oscilações próprias das circunstâncias, ainda que exista alguma semelhança com outras personagens apresentadas noutras suas narrativas.

Neste livro o desenho é apresentado a preto e branco, existindo grandes diferenças entre os níveis de detalhe, consoante o episódio que é apresentado. Se estamos perante uma paisagem, esta é-nos demonstrada com todos os pormenores. Mas quando duas personagens interagem o detalhe diminui e existe um maior foco nas pessoas. Por vezes, raras, o desenho é minimalista e apresenta o estritamente necessário.

La Balada del Norte é uma leitura interessante de várias formas. Ainda que esteja apenas no primeiro volume apresenta-nos um historial de repressão e de conflito social (e regional) que poderá justificar alguns dos acontecimentos que se farão sentir, mais tarde, na região. A forma como Alfonso Zapico explora estes elementos é o factor determinante para transformar uma leitura interessante do ponto de vista histórico, numa leitura cativante para o leitor e uma das grandes leituras dos últimos tempos.

Lerei, sem dúvida, e numa altura próxima, os próximos volumes.