Aliette de Bodard é conhecida, sobretudo, pelas suas séries de fantasia (algumas que cruzam elementos de ficção histórica), tendo ganho vários prémios, entre os quais, Nebula, Locus, BFA e BSFA. Na série Universo de Xuya apresenta uma space opera futurista que cruza elementos culturais orientais com tecnologia e exploração no espaço. Já na série Dominion of the Fallen, apresenta-nos uma Paris decadente num futuro indeterminado onde os Anjos existem e são usados como armas por famílias poderosas que constituem as Casas. As premissas e o cruzamento de elementos culturais são um dos grandes pontos de destaque que têm permitido à autora distinguir-se num meio carregado de elementos ficcionais anglosaxónicos.

A história

Neste pequeno volume (com cerca de 100 páginas e grande espaçamento) a autora apresenta uma história fantástica que decorre num tempo indeterminado, num local de influência oriental, mas inexistente. A história centra-se numa negociação entre dois países – uma negociação que poderá determinar o destino de um povo e durante a qual se confrontam duas princesas que têm um complexo historial.

A Princesa Thanh regressou recentemente de Ephteria, assumindo o papel de diplomata, depois de anos como refém neste outro reino. Este novo papel irá confronta-la com a princesa Eldris, com a qual teve um intenso relacionamento enquanto refém. Thanh, introspectiva e calma, contrasta com o espírito tempestuoso de Eldris, mas percebe que muito está em causa nestas negociações. Paralelamente, Thanh é assombrada por um terrível incêndio, ao qual terá sobrevivido, no Palácio Real de Ephteria – um incidência que parece querer retornar, quando, sucessivamente, vários objectos pegam espontaneamente fogo.

A narrativa

História pequena, Fireheart Tiger centra-se na perspectiva de Thanh, não explorando directamente, outras personagens. Conhecemos a sua perspectiva dos acontecimentos, bem como os seus pensamentos. A história apresenta um conflito que deve ser ultrapassado, surgindo, claro, alguns obstáculos e pequena reviravoltas que justificam o desenvolvimento ao longo de 100 páginas – tratam-se de obstáculos diplomáticos, mas também emocionais, resultado do envolvimento entre as personages.

Sendo uma curta história, centrada num acontecimento, ao longo de poucos dias, não desenvolve muito a caracterização da personagem. O retrato de Thanh é acelerado por algumas características referidas por quem a conhece, sendo que a maioria das acções que toma são consistentes com este retrato. Thanh, tendo uma personalidade calma e introspectiva, e tendo vivido parte da sua vida como refém (apesar das mordomias atribuídas ao seu nível social) acaba por se envolver em relacionamentos abusivos, ainda que consiga sair deles, por força das circunstâncias e dos sentimentos. Este elemento é, para mim, o que foi explorado de forma menos coerente.

Tal como noutras histórias apresentadas por Aliette de Bodard, sente-se, também nesta, a força da família, através da honra em pertencer ao agregado, mas também, através dos sacrifícios que se devem fazer para manter o bem estar de todos. Os relacionamentos trazem com eles obrigações, sobretudo para com os antepassados. É um aspecto que vemos muito vincado na série de Xuya, e que se reflecte, também, nesta narrativa – não o respeito pelos mais velhos, mas a obrigação de obedecer.

Outro dos aspectos que costuma marcar as narrativas desta autora, são as conversas de duplo sentido ou os significados de coisas que poderíamos considerar triviais. Nalgumas das outras séries, o significado de uma cena pode se restringir às posições que cada um tem numa mesa, ou numa sala (elemento que a autora costuma explicar, de forma indirecta). Aqui, este aspecto é menos explorado, mas ainda se denota nas negociações em que todas as frases e gestos podem ter duplo sentido e ser sujeitas a diferentes interpretações – uma vertente interessante, que, dada a premissa da história, faz sentido ser incluída.

Apesar de todos estes elementos interessantes, esta foi uma das histórias mais fracas que li da autora. A personagem principal carece de maior caracterização, faltando-lhe objectivo próprio concreto. Não chegamos a perceber as suas motivações, para além de se deixar levar pelas circunstâncias. É, também, uma falha nalgumas personagens secundárias que têm um papel relevante.

Conclusão

Esta pequena história tem elementos originais e diferentes das fantasias de influência predominantemente anglosaxónica, sobretudo no relacionamento entre as personagens. Desenvolve-se ao longo de poucas páginas, e, consequentemente, o desenvolvimento narrativo é simples. A falha está, sobretudo, na pouca caracterização de personagens e na ausência parcial de motivação. É, portanto, uma leitura agradável e diferente, mas não chega a tornar-se envolvente e falhar em criar ligação com as personagens.