A Memory Called Empire aparece em destaque em todas as listas e prémios recentes. Acumulando um Hugo, um Nebula e um Locus (bem como nomeações para vários outros prémios) esta obra aparece em várias listas de melhores do género em grande destaque. Se por um lado compreendo a nomeação, por outro, há vários outros elementos que já vi explorados noutras obras.
A história
Mahit Dzmare concretiza o sonho de uma vida – ir à capital do Império Teixcalaanli como embaixadora. Para tal, recebe um implante cerebral com as memórias e a personalidade do seu antecessor, morto em circunstâncias questionáveis – mas sem o tempo usual para estabilizar esta união, dada a falta que fará um embaixador no centro do Império.
À chegada, com o usual fascínio pela grande cidade, conhece a pessoa que irá guiar pelo Império – uma necessidade para quem não tem identidade electrónica e que precisa de ser apresentada às mais altas personalidades, numa sociedade onde as interacções estão carregadas de subtilezas e jogos de palavras.
Uma das primeiras acções de Mahit foi procurar saber o que aconteceu ao embaixador anterior, algo que deveria ser trivial, mas que a leva por um percurso de investigação e sobrevivência política. Por um lado o implante cerebral (que não tinha a mais recente versão do embaixador anterior) deixa de funcionar, por outro, na morgue encontra uma influente personalidade, levantando-se algumas suspeitas em torno do choque anafilático que terá causado a morte.
Entre conflitos internos e externos, entre crises de sucessão e imortalidade, Mahit vê-se no centro de um grande Império que se revela bastante diferente de tudo o que estudou. As ameaças à integridade sucedem-se, com o avançar da investigação em torno das circunstâncias estranhas da morte do embaixador anterior.
Opinião
A Memory Called Empire usa a premissa de um grande Império como palco para uma história movimentada e carregada de nuances políticas. Nada que seja novo, no entanto. A existência de um Império que tem como objectivo central a expansão por toda a Galáxia, captando novas civilizações e planetas pode encontrar-se em várias outras obras. Aqui, este Império não assume uma vertente maléfica ou totalmente corrosiva, sendo que a autora usa várias vertentes para nos dar a entender que este Império é uma entidade complexa. O Império conterá a civilização mais elevada, carregada de luxos na forma de tratar e no quotidiano que seriam impensáveis para outras civilizações ou governos em planetas sem atmosfera.
Noutros sistemas, como naquele de onde vem Mahit Dzmare, a sobrevivência de todos no meio do cosmos pressupõe uma série de regras diferentes – o fogo é uma ameaça que todos aprendem a combater, e ainda que se tente preservar a memória, os corpos devem ser degradados. Num sistema composto por mineiros, em que muitos vivem em complexos de asteróides, a baixa população implica que o conhecimento adquirido por um conjunto de pessoas não pode ser perdido de geração para geração. Assim surgem os implantes que permitem captar uma imagem da pessoa, constituída por memórias e algo mais.
Esta vivência não impede, no entanto, que as pessoas cresçam fascinadas com outros sistemas e culturas, mais particularmente com o Império. Longos versos circulam entre os mais jovens que os estudam e declamam, habituando-se a algumas das subtilezas. Mahit Dzmare terá sido uma destas jovens e agora no Império vai-se aperceber que o estudo não consegue reproduzir a experiência de viver no meio das teias políticas da capital do Império.
Contrapondo a densidade de nuances que existe na interacção social, Mahit Dzmare vê-se no meio de várias tentativas de sabotagem e assassinato, ao mesmo tempo que tenta descobrir as circunstâncias que envolveram a morte do seu antecessor. Este contraponto permite dar movimento à história e aligeirar a densidade narrativa, ainda que seja demasiado centrado na personagem principal. A percepção de uma única perspectiva no meio de uma trama densa trama política e social, pode tornar-se, por vezes, demasiado simplista. Por outro lado, a forma rápida como se relaciona com os que conhece, estabelecendo laços muito fortes em poucos dias, em tal sociedade, nem sempre é verosímil.
Em termos tecnológicos, a existência de máquinas de memória, é um aspecto que já tinha visto abordado por Aliette de Bodard em On a red station, drifting, com uma base semelhança (reter o conhecimento adquirido das gerações anteriores) ainda que com uma perspectiva diferente (mais voltada para as famílias ou clãs, que são, neste livro de Bodard, a base social). Por outro lado, também as subtilezas políticas são abordadas de forma mais consistente por Aliette de Bodard em vários dos seus livros, desde Fireheart Tiger, a The House of Shattered Wings. São histórias bastante diferentes com escritas e percepções distintas, mas que partilham estes dois pontos em comum – implantes que retornam a personalidade / memórias de pessoas que já faleceram, e o uso centralizado de nuances políticas para desenvolver uma trama onde as subtilezas fazem parte das interacções sociais.
A Memory Called Empire é, no entanto, uma leitura mais movimentada, mas menos polida, existindo alguns episódios que se tornam algo confusos, sobretudo pela sucessão de interacções que dizem respeito a uma única linha de pensamento. Todas as interacções da nova embaixadora se vão centrar na investigação de uma morte, algo para o qual a escritora empurra, barrando todos os outros caminhos da personagem. Esta abordagem parece algo simplista e é, para mim, o ponto fraco da obra.
Por outro lado, A Memory Called Empire contrapõe culturas, mais especificamente a de um conquistador implacável cuja abordagem de relacionamento para com outras civilizações pode mudar repentinamente, mediante as vontades caprichosas de um Imperador. Existe nitidamente uma relação de poder, sendo os habitantes do Império vistos como cultos e elevados, e os restantes como bárbaros, incapazes de perceber todos os níveis de subtileza numa conversa. A autora contrapõe usando uma personagem capaz de perceber alguns níveis, mas também capaz de usar as suas origens para ser subvalorizada.
Outro dos pontos relevantes na narrativa são os relacionamentos Queer, que são, na prática, relacionamentos normais, independentemente do género dos intervenientes. Nesse sentido, a história não apresenta nenhuma problemática, apresentando qualquer relacionamento como normal neste contexto. Destaca-se mais a diferença de culturas.
Conclusão
A Memory Called Empire é uma boa leitura, mas não excepcional. Usa vários elementos que lhe permitem tornar-se uma leitura rápida e envolvente, com vários níveis de conflito, pessoais e culturais, alguns directos e percepcionados rapidamente, outros mais subtis e que é necessário detalhar e explorar. O demasiado centralismo numa única personagem e a exploração dos relacionamentos são os pontos fracos, e alguns elementos usados não foram originais ou surpreendentes, por os já ter visto explorados noutras narrativas (como as de Bodard).