Depois de pegar na história do Barba Azul para criar The Seventh Bride, ou na Baba Yaga como personagem em Summer in Orcus, eis que T. Kingfisher resolve refazer o conto da Bela Adormecida. Claro, estando já habituada ao estilo narrativo da autora, não esperem um conto tradicional de fadas, nem uma subversão demasiado colada ao original. A história vai conseguir pegar no conto, mas conferir-lhe uma perspectiva e detalhes tão fortes que criam uma nova e excelente narrativa, com elementos melancólicos ou, até de horror.

A história começa com a troca de um bebé humano, por um das fadas. Mas neste caso, o bebé humano é uma princesa que é criada pelas criaturas da água, aprendendo alguns dos seus truques mágicos e adoptando algumas das suas características – aos olhos dos humanos será uma criatura feia. Já a bebé fada que adapta a vida humana cresce como uma princesa sem moralidade nem empatia, que usa os seus crescentes poderes mágicos para infernizar e maltratar os que se encontram à sua volta. Começa com os animais, mas cedo percebe que pode usar os seus poderes em pessoas.

A perspectiva é-nos dada pela princesa trocada, uma criatura que agora tem pouco de humano e que montou guarda à localização da bela adormecida, um castelo escondido por densa vegetação. Ao longo de décadas vê os humanos mudarem e assiste a algumas tentativas de demanda em busca da princesa que estará adormecida (normalmente, príncipes em busca de glória).

Ainda que a reconstrução da história seja interessante, diferente e envolvente, não é perfeita em detalhes narrativos, destacando-se dois ou três elementos incoerentes ao longo da narrativa. Estes elementos tornam-se irritantes, até porque eram desnecessários. Numa altura afirma que a criatura que devia ter sido princesa não sabia rezar, noutra apresenta-a com essa faculdade. É, novamente, algo que podia ter sido evitado, mas que numa primeira instância tinha sido usado para criar empatia, e que depois faz parte de uma contradição narrativa.

Ultrapassando estas duas ou três irritações, a história consegue fazer a proeza de se centrar em poucas personagens e apresentar relativamente pouca acção, mas envolver-nos num desenvolvimento diferente e original, criando um conto de características bastante vincadas. É uma história relativamente pequena e simples, muito focado na perspectiva de uma única personagem que é algo solitária.

Adicionalmente, a caracterização da vilã é simplista. É uma criança incapaz de empatia, uma espécie de sociopata com poderes que não tem nada em consideração para além da sua própria diversão. Ou absoluta maldade. Não existe propriamente um motivo ou uma explicação para tal personalidade – talvez, sem saber, não se sentir bem entre humanos.

Em suma, Thornhedge é uma leitura engraçada, mas que está um pouco abaixo em qualidade comparativamente com outras das suas histórias. Consegue recriar o conto da Bela Adormecida com uma subversão interessante, consegue criar uma personagem principal com uma perspectiva única e envolvente, mas cai um pouco na auto comiseração, embrulha-se com algumas incoerências narrativas, e possui alguns momentos em que nada parece acontecer.