Comecei este texto de várias formas. Comecei por falar de Dominique Grange (militante política, artista e tradutora de banda desenhada) ou de Tardi. Comecei por falar da história francesa ou da perspectiva que Dominique nos fornece neste volume. Se calhar posso começar novamente por falar de uma época que não é a minha, mas a dos meus pais e que, como tal, apenas conheço por relatos de terceiros. Espero não chocar ninguém que tenha vivido na época.

Durante os anos 60 as políticas de esquerda ganham preponderância e aderentes. Os jovens ganham consciência política e no seu idealismo pela sociedade perfeita (ou pelo menos mais justa) organizam manifestações, distribuem informação e arriscam-se perante as autoridades. E se noutras sociedades existiam motivos para a revolta, a francesa não fica atrás.

A narrativa começa por nos levar ao ano de 1958, decorridos quatro anos da guerra de libertação nacional, prosseguindo para o Massacre de 17 de Outubro de 1961, em que centenas de argelinos foram mortos em Paris naquilo que deveria ter sido uma manifestação pacífica. Vários cadáveres foram lançados ao Sena e um número incontável de corpos permaneceu por identificar. O episódio é indescritível e revoltante.

Enquanto estudante, Dominique começa a ser envolvida no militarismo. É impossível não tomar conta dos acontecimentos e não sentir o peso da injustiça. Progressivamente, Dominique envolve-se nas lutas dos trabalhadores e entra na clandestinidade. Deixa os estudos e, sob uma falsa identidade, arranja emprego como operária, mantendo-se, em simultâneo, com um papel político.

Elise e os novos Partisans não é um livro fácil. A narrativa centra-se na perspectiva de Elise, mas apresenta, em paralelo, as circunstâncias políticas em que os episódios decorrem. Enquanto pessoa com engajamento político, a narrativa acaba por referir como os estrangeiros eram tratados em Paris, como era a luta da classe trabalhadora para a obtenção de direitos e como recorreu à clandestinidade para continuar essa luta.

Não é um relato romântico e heróico. Dominique Grange (enquanto Elise) vive entre a clandestinidade e a precariedade, com a força e os objectivos idílicos próprios da sua juventude, mas vai confrontar-se, várias vezes, com as consequências desses ideais. Não que tais consequências a demovam. A maioria das acções associadas a esta clandestinidade traduz-se por distribuir panfletos e instigar greves mas, no caso de Elise, também em cantar, como forma de manter o espírito de resistência.

A história tem relevância não só enquanto relato de época, mas pela perspectiva peculiar de Dominique Grange, mostrando-se uma época conturbada socialmente, que parece ter alguns paralelismos para com a forma como os franceses se manifestam e lutam pelos seus direitos. Como tal, é uma leitura pausada e detalhada, mas também revoltante, pelo registo de faz de alguns acontecimentos.