Entre o desejo de ler banda desenhada diferente, e a obrigação de evoluir no meu nível de francês, estou a pegar nalgumas leituras mais simples, ou destinadas para um público mais jovem. Bem, neste caso, não tenho a certeza que seja indicado aos mais jovens, apesar de ser um volume visualmente cativante e deslumbrante.

Lua cheia e nuvens gordas. Diz-se que nessas noites a cozinha dos ogres está aberta. Assim começa este volume que nos apresenta um grupo de crianças sem abrigo que vive nas ruas de uma cidade. A história centra-se em trois-fois-morte, um rapaz esquelético que aprendeu a cozinhar com o pai que o maltratava. Um dia, pegando um balde de água para o grupo, depara-se com os amigos a serem pescados por uma sombria criatura.

Ajudado por um cavaleiro andante, começam a perseguição. Mas o desfecho não será a salvação das crianças, antes a entrada nas cozinhas dentro de um saco. Sobrevivendo em condições miseráveis ao caldeirão, trois-fois-morte arranja um grupo de amigos que servem nas cozinhas e tem como missão salvar os seus companheiros.

A história oscila entre a vertente fofa e corajosa do jovem rapaz e os horrores que existem e rodeiam a cozinha dos ogres. O que, na perspectiva do cozinheiro é uma iguaria, na visão do rapaz são pedaços de corpos triturados que o rodeiam, enquanto decorre uma entusiasmada descrição culinária. Mas mesmos nos momentos de maior horror, os desenhos são fascinantes e coloridos, o que não deixa de criar uma curiosa e retorcida dualidade.

A narrativa não é, pois, uma fantasia inocente, leve e divertida. Trois-fois-morte sobrevive, mas vê-se numa realidade dura onde deverá trabalhar para se sustentar. A juntar a este facto, persiste uma aura de tristeza e desespero, onde não faltam os fantasmas daquelas que foram servidos aos convidados da famosa cozinha dos ogres.

É uma história carregada de acção e de movimento, onde entre as perseguições e as tentativas de fuga (e planos sequentes), as personagens se vêm em sucessivos episódios de perigo e tensão. Mas existem, também, momentos mais pausados onde as personagens tecem os planos e onde há curtas oportunidades para falar de passados traumáticos.

La Cuisine des Ogres é uma leitura negra que decorre num mundo fantástico curioso em que os ogres devem manter a sua reputação, criando as mais fabulosas produções culinárias, para os mais curiosos convidados. Neste contexto, o espectacular convive com o grotesco – mas suponho que tal seria também a perspectiva de uma galinha consciente numa cozinha humana, entre uma canja e uns ovos mexidos.

Entre relatos fabulosos e entusiasmantes, La Cuisine des Ogres surpreende pelo tom e pelo espírito negro, criando cenários visualmente fascinantes com detalhes caricatos e sombrios. Pouco decorre como esperamos nos primeiros momentos, mas o resultado é muito bom.