Depois de Toutinegra, Bernardo Majer lançou Estes Dias, uma compilação de pequenas histórias sobre relacionamentos e expectativas de vida, onde se apresenta a evolução de várias personagens, enquanto passam por situações marcantes. Na altura, apesar de ter gostado, achei que algumas histórias poderiam ter sido mais desenvolvidas e exploradas.
Espiga tem algumas semelhanças com Estes dias, mas centra-se apenas em duas personagens, apresentando duas partes, cada uma focada numa das personagens. A primeira foca-se em Abel, um escritor inseguro que viaja para um festival literário onde conhece Laura, a personagem central da segunda parte. Entre os nervos de falar em público e a companhia de uma amiga, Abel estabelece com Laura uma fugaz relação empática que parece poder tornar-se algo mais, não estivessem, ambos, em relacionamentos.



Abel parece estar numa relação onde se sente diminuído. A sua carreira de escritor rende-lhe pouco e é a namorada que assume a compra de um apartamento em Lisboa. Já Laura, mantém-se num relacionamento pouco formal, quase psicologicamente abusivo, onde as suas necessidades não são ouvidas.
Espiga é um livro curioso, que se “limita” a apresentar as circunstâncias vida de cada uma das personagens, sem juízos de valor, e sem quebrar os ciclos onde cada uma se encontra. O resultado é, portanto, ligeiramente frustrante ou insatisfatório para quem pretende finais felizes. Esta abordagem é, no entanto, o que distingue o livro, reflectindo a vida de várias pessoas reais, de forma directa, mostrando o necessário para se fazer entender, mas sem se demorar mais do que o necessário.



Visualmente, as páginas apresentam três cores, preto, branco e amarelo. O foco dos desenhos encontra-se mais nas personagens e nas suas expressões, com raras caracterizações do ambiente (apenas quando necessário para nos mostrar onde se encontram). As expressões faciais são subtis mas captáveis pelo leitor, ajudando na percepção das interacções.
Espiga é um livro envolvente, que consegue criar empatia para com as duas personagens, caracterizando-as com eficácia, o que permite compreender melhor as circunstâncias em que se encontram. É uma leitura peculiar, que reflecte a imperfeição das personagens que apresenta, sem romantismos desnecessários, mas, também por isso, torna-se numa visão ligeiramente claustrofóbica.



