Visual curioso, capa dura (edição típica da Norma Editorial) e sinopse que nos remete para as lendas arturianas. Este Furiosa promete uma leitura mirabolante e entregou com sucesso, sendo uma leitura mais consciente do que esperava.
Furiosa pega na lenda Arturiana para nos levar a uma realidade em que o Rei Artur se mantém no trono, envelhecendo. Corrompido pelo poder da espada, o Rei encontra-se permanentemente bêbado, perdendo toda a dignidade que lhe foi conferida pelas lendas e remetendo-se para o papel de déspota e abusador, sem capacidade para se controlar enquanto exerce a sua autoridade.



A história é contada na perspectiva da filha mais nova, Ysabel, que descobre que o velho amigo do pai que visita o pai pretende casar-se com ela. Com a ajuda da espada foge, direccionando-se para uma cidade que não estará sob a autoridade do Rei Artur, pensando conseguir o auxílio da irmã mais velha que terá, também, fugido de destino semelhante.
Nesta demanda que começa por nos mostrar a corrupção do poder, vamos percebendo como é que as mulheres poderosas são percepcionadas pelo povo. O facto de ser uma mulher com uma espada que empunha de forma competente valem-lhe o nome de bruxa, tendo de fugir. O dormir num monte palha leva a expectativas de favores sexuais. E quando finalmente encontra a irmã, percebe que as hipóteses de autonomia para uma mulher são diminutas e pouco dignas. Mas Ysabel não se deixa vencer pelas circunstâncias.



Furiosa pega numa conhecida lenda para lhe conferir uma perspectiva feminista curiosa, onde existe pouca margem de romantismo para a forma como as mulheres são percepcionadas numa sociedade de tipologia medieval. O destino é traçado pelos homens que as rodeiam, seja por serem nobres e portanto, meios para alianças e trocas comerciais, seja por serem pobres e, portanto, pouco donas do seu destino. O diferenciador de Ysabel é a espada que consegue lutar sozinha e, dessa forma, conferir-lhe uma forma de fugir de algumas situações.
O mundo e a realidade que Ysabel vai descobrir afasta-se bastante do que espera. Seja pela administração negligente do pai, seja porque as coisas são mesmo assim, a pobreza rodeia o castelo e estabelece-se nos domínios do Rei Artur. Mas para além destes, a situação não é muito melhor.



Para além dos elementos mágicos esperados numa lenda arturiana (onde se acrescenta uma espada que fala e luta) encontramos também elementos que podem ser considerados ficção científica, com a existência de um mundo paralelo, de onde serão originários os monstros que o Rei Artur terá enfrentado. São elementos curiosos que resultam numa narrativa mirabolante e diferente.
Adicionando aos temas já relatados (o abuso sobre as mulheres, em várias formas e contextos), a narrativa explora ainda o peso da responsabilidade, mostrando não só os efeitos no Rei Artur, mas em Ysabel, e a forma como diferentes pessoas lidam com ele.



A história envereda muitas vezes por exageros e situações caricatas, fazendo com que os temas abordados tenham um embrulho cómico que permite aligeirar a leitura e progredir com leveza. É uma narrativa movimentada, onde se transmite com eficiência um sentido de urgência (uma fuga com perseguição) e onde se sucedem os acontecimentos curiosos.
Em termos de visual, os desenhos são pouco realistas nas cores usadas, mas bastante expressivos, com elementos caricaturescos que permitem transmitir reacções e pensamentos das personagens. As cabeças são proporcionalmente muito grandes, e algumas personagens apresentam características quase animalescas.



Furiosa é uma excelente leitura que deverá encontrar-se entre as melhores deste mês, apesar da quantidade de obras excelentes que li. Utiliza uma lenda bastante conhecida e bastante usada noutras narrativas conseguindo dar-lhe uma abordagem moderna e refrescante, mas também divertida e cativante.
