Adorei a série Locke & Key, apesar de perceber que não é excepcional do ponto de vista de execução. A mistura entre premissa fantástica e componente de horror resultou relativamente bem, mostrando como um conjunto de chaves com poderes fantásticos fazem com que uma família tipicamente americana se torne um alvo, e se encontre rodeada por criaturas sobrenaturais que não compreende. Este volume reúne várias histórias que decorrem no mesmo Universo, e, globalmente, surpreendeu-me pela positiva.

A primeira história, Small World leva-nos à mesma cidade e à mesma casa da série principal, mas com uma família diferente. Cada chave possui um poder sobrenatural específico e a vontade de as possuir resulta numa série de acidentes e mortes. As crianças da casa serão as únicas capazes de poder visualizar e utilizar os poderes. É uma história que se centra sobretudo nas crianças e numa casa de bonecas que representa a casa real. Se estas bonecas forem mal manobradas, existirão riscos reais para a família real.

A história seguinte, Open the moon, cruza conhecimento científico com fantasia, mostrando como os poderes são usados para ver a parte de trás da Lua. E não é como esperado. A família que vai acompanhando a história, de geração em geração tem de tomar uma dura decisão, mas que, no final, pode ser a mais misericordiosa. Já Face de music, a terceira, é uma piada curta e engraçada.

As duas histórias seguintes, In Pale Battalions Go e Sandman: Hell and Gone, são maiores e mais complexas, levando-nos primeiro à Segunda Guerra Mundial pela perspectiva de uma criança que quer ser um herói, usando, para tal, várias chaves. A segunda história associa, a este Universo, a série Sandman, mostrando porque razão esta entidade esteve ausente dos seus domínios e como terá escapado da prisão em que se encontrava.

As várias histórias vão mostrando como uma família, ao longo de gerações, usam as diversas chaves, cruzando-se realidade história com fantasia e surrealidade, e levando algumas personagens por caminhos insuspeitos e perigosos. Noutros casos, as chaves são usadas para conceder paz física e de espírito, em narrativas melancólicas e ligeiramente nostálgicas.

O tom global das histórias é um pouco diferente, com personagens mais capazes e autónomas, mais conscientes dos poderes e, de forma geral, mais inteligentes na sua utilização. São, sobretudo, personagens que, ao contrário das da série original, não se deixam arrastar pelas circunstâncias e pelo que as rodeia, mas tomam decisões e agem conscientemente.

As duas histórias mais complexas começam como aventuras ligeiras e, até, divertidas, transformando-se progressivamente em narrativas mais subtis, interligando-se com vários elementos das outras histórias, e, até com Sandman. É um cruzamento curioso, e Joe Hill conseguiu impregnar, na sua narrativa, alguma dualidade do dono dos sonhos com um resultado mais elevado

Ainda que o tom não seja homogéneo, as duas histórias mais longas funcionam bem, apresentando maior qualidade do que a série principal, com referências curiosas e inteligentes. Este cruzamento com Sandman resulta num ambiente e tom ligeiramente diferentes da série principal, mas gostei bastante. Globalmente, fiquei bastante satisfeita com a leitura destas histórias, ainda que se denote uma preferência pelas duas últimas.