
O primeiro volume de Miguelanxo Prado com o nome Presas Fáceis foi lançado há uns anos valentes, focando-se na falência dos bancos e na venda (burla, na realidade) de instrumentos financeiros de elevado risco a velhotes incautos e desconhecedores do funcionamento dos mercados. Burla, e não venda, por existirem responsabilidades na caracterização do perfil de investidor e na informação que, nitidamente, não foram cumpridas.



Anos depois, eis que o autor surge com novo volume, com o título composto com Abutres, usando a sociedade que nos rodeia para nos apresentar novas circunstâncias enjoativas, num tom de ironia e crítica social que agora se foca nas influências dos elevados cargos. Não é, nem pretende ser, uma história agradável.
A história centra-se na investigação policial do suicídio de Irina, uma jovem aparentemente exemplar, adoptada por um casal espanhol que, antes de morrer, reporta perdas de memória. A investigação revela que a jovem estaria a ser usada para pornografia infantil – mas o que parecia um caso caseiro revela-se a ponta de uma rede mais alargada, da qual fazem parte figuras influentes.



O desenvolvimento é pesado. Para além dos contornos da pornografia infantil a investigação policial revela detalhes cada vez mais escabrosos, desenvolvendo-se com ritmo e apresentando reviravoltas cada vez mais enjoativas e chocantes – Irina era, na prática, uma jovem inocente com uma vida quase perfeita, salvo pelos momentos em que era usada sob o efeito de drogas.
Miguelanxo Prado tem vários livros onde usa a ironia para criar vários episódios socialmente críticos, curtos e com finais fortes. Neste caso (e no outro volume de Presas fáceis) apresenta uma narrativa mais longa, mas desenvolvida de forma consistente, e com suficientes reviravoltas entregues de forma espaçada. É, nitidamente, uma crítica aos jogos de influências que tudo encobrem, referindo uma sociedade onde os ricos e poderosos fazem o que querem, e os mais pobres ficam sem justiça.


