Isaac Sánchez tem algumas obras com toques de fantástico que adorei. Destacaria rapidamente El Don, em que se cria uma sociedade distópica em que os seres humanos que possuem poderes são perseguidos, ou Taxus, onde o autor usa a mitologia da Cantábria para tecer uma história fantástica. Este Buena Gente não recorre a premissas fantásticas ainda que o resultado seja tão ou mais mirabolante que as histórias em que o faz.



A ideia é simples. Um homem, de algumas posses, deixa uma espécie de concurso para a vila onde vivia, indicando que o herdeiro será o habitante que se mostrar de melhor coração. Como tudo tem um equilíbrio, não é difícil de imaginar que, após uma série de boas acções, outras extremamente negativas começam a ser realizadas em pano de fundo, fora do entendimento da maioria da população.
Em primeiro plano acompanhamos a história de uma jovem que, depois de pedir ajuda a um homem para socorrer o seu cão, se começa a aproximar desse mesmo homem. Mas aquilo que parece uma história inocente de envolvimento romântico, toma contornos mais negros com a progressão da história.



A premissa permite desenvolver uma aura humorística, onde se distinguem a ironia do conceito e os episódios mirabolantes. A oferta de uma fortuna justifica os exageros nas acções supostamente altruístas, onde alguns habitantes, aparentando realizar boas acções, se revelam pequenos e ridículos vilões sem medidas. A vila que, inicialmente parece ter sido tomada por uma benção com a perspectiva da fortuna, vai tornar-se cada vez mais insuportável, quer pela falsidade, quer pelas desgraças que originam.
As personagens assumem-se caricaturescas. Também elas de trejeitos exagerados, alegrias e tristezas desmesuradas, capazes de feitos excessivos, mesmo em situações que poderiam ser simplesmente rotineiras. O resultado possui traços quase de horror, sob o aspecto de excessiva normalidade, até boa vontade.



Buena Gente é uma leitura formidável pela forma como usa a ironia da ganância para transformar o quotidiano da vila no caos. O conceito é um pouco semelhante a O homem que corrompeu Hadleyburg, explorado aqui numa vertente mais cómica e também mais actual em concretização.
