O lançamento deste livro foi acompanhado por grande burburinho na comunidade internacional de ficção especulativa, marcando-se vários lançamentos e gerando muitas publicações. Nem sempre respondo muito bem a toda esta publicidade, que, recorrentemente leva a que fuja do livro a sete pés. Neste caso resolvi experimentar e ainda bem o que fiz. É formidável, quer na escrita, quer no desenvolvimento da história.

Num mundo onde a gramática flui a partir dos salgueiros, uma família tem como função cantar para duas destas árvores que se são referidas como professores. A história centra-se em duas irmãs cujas vozes, diferentes, se complementam e juntam em harmonia. As irmãs vão crescendo e desenvolvendo diferentes interesses, apesar de serem inseparáveis. Em paralelo, também outras entidades se interessam pelas irmãs.

A história é contida em execução e, consequentemente, contida em tamanho. Não apresenta explicações sobre o sistema mágico, que é bastante peculiar, mas desenvolve curtos episódios onde se revela uma lógica muito própria, estranha, até exótica, com detalhes sobre a gramática e as construções gramaticais que não são esclarecidos.

A narrativa desenvolve-se sem perder a magia deste worldbuilding genial, mas, também, sem nunca o tornar demasiado conhecido do leitor. Tal como o texto oscila entre detalhes gramaticais e musicais (como o canto aos salgueiros) também a escolha das palavras é cuidadosa, apresentando uma sonoridade encantadora e uma aura cativante.

Esta musicalidade textual recorda as lendas orais – mas tal como elas, a história também apresenta aspectos agridoces e sombrios. Não se inicia como Era uma vez, ainda que nos comece por apresentar o mundo e a realidade em que se encontram as irmãs. Segue-se a apresentação de um perigo, uma tensão crescente que auspicia uma desgraça e, claro, a resolução não totalmente feliz. Para além desta estrutura, existem os vários poemas, adivinhas e canções que se vão envolvendo na narrativa.

Com o crescimento das irmãs, a história apresenta interesses românticos e, com eles os perigos que se aproximam. Ainda assim, a relação principal é a das duas irmãs e toda a narrativa rodeia os pares – o par de salgueiros denominados professores, mas também o par de imãs que possuem um laço inquebrável – ainda que o Rio seja determinante para o fluir da história.

The River has Roots é, simplesmente adorável e, certamente, uma das melhores leituras fantásticas que li nos últimos tempos. A escassez de páginas é, ao mesmo tempo, o seu ponto negativo (no sentido de que gostava de ler algo mais) mas é, também, um dos grandes elementos positivos, no sentido em que é uma história estruturada, que não se perde em explicações e detalhes supérfluos, ao mesmo tempo que apresenta uma constante musicalidade. Para além da narrativa, há a destacar a edição cuidada, com desenhos na contracapa e no interior.