Há uns anos circulava uma partilha nas redes sociais de alguém que desejava uma história de fantasia cuja personagem principal fosse uma mulher de meia idade, rabugenta e com artrite, por oposição aos usuais heróis jovens, inocentes (talvez até um pouco idiotas) tão tipicamente usados no género. T. Kingfisher, pseudónimo de Ursula Venom, fez algo dentro deste espírito com Nettle and Bone (livro publicado recentemente como Urtigas e Ossos pela Kathartika).
Este The Butcher of the forest recorda-me a mesma premissa, ao apresentar uma personagem pouco típica que é forçada a enfrentar monstros. O objectivo será salvar os filhos do governante tirano, como forma de salvar, também, o que resta da sua família. A história começa quando soldados irrompem pela casa de uma mulher de alguma idade, e a levam à presença do tirano. O motivo? As crianças terão saído dos seus aposentos para explorar a floresta – um conjunto de árvores que quase se diria normal, mas que os locais sabem ser a passagem para um mundo de horrores. Quem se aventura, nunca regressa.
E porque é esta mulher, Veris Thorn, a escolhida para tal missão, quando várias buscas militares falharam? Porque ela é a única pessoa a ter conseguido resgatar, no passado, uma criança da floresta, e também a única a conseguir regressar viva de tal sítio (para além da criança que salvou). O tirano opta por um incentivo drástico. Se a nossa heroína não regressar com os filhos em 24h, a sua família será chacinada.
A partir daqui acompanhamos Veris na curta e rápida preparação para a viagem, e, claro, no embrenhar na floresta de ambiente soturno. E, se os lobos parecem uma ameaça perigosa, a verdade é que os monstros que se encontram a seguir serão muito mais horríveis e estranhos. Mas não falamos só de monstros típicos, mas de criaturas que recordam as tradicionais fadas maléficas, com provas, adivinhas e jogos, que pretendem prender os humanos numa qualquer eternidade sobrenatural (por exemplo, através comida fabulosa) ou, em compensação, muito simplesmente comê-los.
Não sendo nitidamente uma guerreira, Veris possui o conhecimento local de como interagir com tais criaturas, criando os seus próprios tokens mágicos que lhe indicam o caminho. É, também, uma personagem cautelosa mas focada, movida sobretudo pelo medo do que possa acontecer aos seus familiares. E mesmo assim, percebe sobretudo que as crianças não têm culpa de ser a descendência do tirano.


Apesar de ser um livro relativamente pequeno (cerca de 140 páginas), e de se tratar de uma história que, à partida, não tem muitos elementos originais no género fantástico, The Butcher of the Forest consegue ser um livro cativante e diferente, até relevante. As criaturas fantásticas que vamos encontrando recordam as tradicionais faeries (fadas) que possuem uma lógica muito própria de negociação e conversação, tentando envolver os humanos em rimas, adivinhas e jogos, que são, na prática, armadilhas para os manter.
Mas, de alguma forma, a percepção destas criaturas é ainda mais negra do que é usual, havendo ameaças veladas constantes, na forma como interagem, dando a entender que reconhecem Veris da excursão anterior na floresta e estando atentos a todos os seus passos naquela floresta maligna. Aliás, esta excursão ou missão de salvamento anterior é constantemente referida, em paralelismo à missão actual, percebendo-se que terá contornos bastante negros.
Para além destas criaturas, mais sofisticadas na sua interacção, encontramos também monstros, alguns incompreensíveis, que são simplesmente destrutivos. Ambos, a par com a crescente tensão, fazem com que a história possa ser classificada de horror, para além de fantasia, estando a personagem (e consequentemente o leitor) sempre à espera do próximo horror, seja ele psicológico ou físico.
Curiosamente, a floresta e as criaturas não são a única fonte de horror e medo. Os monstros, apesar de toda a incerteza que constituem agem de acordo com a sua natureza, enquanto que os humanos se tornam monstros por ganância e tirania, reforçando a sua maleficência e poder através de constantes torturas e chacinas. A par com esta miséria imposta, nas populações que rodeiam a floresta, sucedem-se as ondas de conquista, tornando os comuns insensíveis às mudanças de liderança, mas desgraçados – os soldados não só conquistam, como quebram, violam e destroem.
Apesar das suas 140 páginas, The Butcher of the Forest, desenvolve-se eficientemente, entregando os detalhes suficientes para sentirmos empatia e envolvimento com a personagem, mas distribuindo-os de forma lógica na narrativa, e dando sentido a cada informação que é fornecida. O facto de se centrar numa personagem diferente, com motivações bastante menos heroicas do que nas típicas histórias fornece um elemento de novidade interessante que é complementado com a aproximação de horror aos elementos que reconhecemos como mais tradicionais. Em resumo, é uma excelente e recomendável leitura, tanto para os que procuram uma história fantástica com elementos reconhecíveis, como para os que procuram algo que se distinga do fantástico tradicional.
