Portugal tem excelentes autores de banda desenhada – e um bom exemplo disso é o caso de Luís Louro. O estilo mais narrativo e menos introspectivo (com mais acção, uma pitada de humor adulto e alguns episódios mirabolantes) nem sempre agrada a quem procura algo mais sério, mas no meu caso, corresponde ao que procuro nos livros – momentos de imersão e boas histórias. Os Filhos de Baba Yaga adequa-se nesta descrição, ainda que apresenta uma aura mais negra do que é habitual.
A história leva-nos à Segunda Guerra Mundial, mais concretamente para a frente russa, onde somos confrontados com as típicas paisagens geladas. É entre a Guerra e estas condições naturais que um grupo de crianças vai tentar sobreviver, sem adultos, e, progressivamente, sem constrangimentos morais. Confrontados com o horror da Guerra e da fome, o grupo torna-se cada vez mais audaz, e até o que os une se vai quebrando ou transformando gradualmente.



Baba Yaga é uma figura dúbia da mitologia eslávica, uma bruxa que vive numa casa que se move sob pernas de galinha, e que ora é maléfica, ora é benevolente (ainda que mesmo esta benevolência possa ter estranhos castigos associados). Mais comummente é uma figura cruel, selvagem e imprevisível, sem uma moral humana que a restrinja – e são estas características que as crianças, expostas à realidade do Inverno e à violência dos soldados, desenvolvem ao longo da narrativa, afastando-se da imagem inicial, mais cândida e, até, inocente.
De episódio em episódio, de pequena reviravolta macabra a dificuldades cada vez mais adultas, as crianças veem-se forçadas a sobreviver, progredindo num caminho de corrupção que as transforma de presa em predador. A inocência inicial e aparente, de brincadeira, quase fantasia vai-se esfumando – e apesar do aspecto infantil (que usam a seu proveito) as crianças tornam-se capazes dos mais indescritíveis horrores – um contraste agudizado pelos desenhos de Luís Louro, que continuam a mostrar meninos e meninas de aspecto quase angelical.



Neste sentido, de confronto da inocência da infância com os horrores da Guerra, este livro recordou-me Dante, do mesmo autor, que apresenta, também, desenhos aparentemente fofinhos, que são meio para a transmissão dos mais diversos horrores. Mas se, em Dante, existe um invólucro fantástico que permite aliviar um pouco a brutalidade das circunstâncias, em Os Filhos de Baba Yaga o horror é entregue de forma mais crua e chocante.
Neste sentido, Os Filhos de Baba Yaga é uma leitura mais pesada e brutal, acompanhada pelos desenhos fabulosos de Luís Louro, que cativa o leitor para o tornar desconfortável com o que assiste. Pelo meio existe lugar para o insólito (e o ligeiramente surreal), confrontando-se as personagens (e o leitor) com circunstâncias pouco próprias para as crianças – mas que permitem desenvolver e explorar as personagens em caminhos menos cândidos. Sendo uma das obras menos cómicas de Luís Louro, é também uma das mais complexas e impressionantes.



