Enquanto espero pelo próximo volume (o que deve demorar, mais ou menos, seis meses) resta-me falar daquela que é uma das séries Mangá que mais me viciou nos últimos tempos. A recomendação veio através da referências de Magus of the Library, e do Goodreads (tendo visto alguns dos meus contactos a ler esta série).

Comecei a leitura lentamente, mas a certa altura agarrou de tal forma que li uns 6 de seguida, o que é raro no meu consumo de séries – o que me levou neste caso a tal rapidez na altura? A narrativa que oscila de forma equilibrada entre acção / mistério e desenvolvimento de personagens (e dos seus relacionamentos), havendo espaço quer para a criação de empatia, quer para o desenvolvimento de raciocínios inteligentes – algo que em Death Note ou Platinum End é demasiado intenso e não dá espaço a maior envolvimento com as personagens.

A história centra-se em Maomao, uma jovem farmacêutica que é raptada e vendida como serva para o palácio imperial, onde deve trabalhar como criada. A sua curiosidade e conhecimentos levam-na rapidamente a destacar-se entre as restantes, principalmente quando percebe a razão de tantas mortes infantis na corte Imperial. A partir daí vai ser protegida por uma celebridade na corte Imperial, um Eunuco que parece ter a confiança do Imperador.

Maomao é uma conhecedora de venenos, medicamentos e química, usando-os de forma inteligente. A descoberta das suas capacidades pela corte faz com que ocupe uma nova posição como provedora. Esta nova ocupação leva-a a antecipar alguns envenenamentos e a perceber que algumas mortes são suspeitas, revelando-se um peão valioso, mas também a conseguir alguma liberdade para começar a produzir os próprios medicamentos.

A jovem destaca-se ainda por ter sido criada na quarteirão do prazer. Ainda que apresente uma aura algo naive em relação a questões amorosas e relacionamentos, quando a questão é aqueles que a rodeiam, destaca-se na informação que dispõe e no entendimento das questões políticas por detrás de relacionamentos e alianças.

Colocando Maomao numa posição privilegiada e, até, protegida, a história explora a estrutura da corte e os jogos de poder, quer entre as cortesãs, quer entre a criadagem, existindo uma hierarquia bem delineada que determina os poderes de cada um. Maomao não pode agir como um médico (posição reservada a eunucos) mas revela capacidades intelectuais distintas que a tornam valiosa.

Intercalando com o passado de Maomao, ou levando as personagens a explorar o mundo fora da corte, a história aborda também os jogos de influência e as circunstâncias em que vivem outras camadas sociais. Percebe-se sobretudo como funciona o quarteirão do prazer, onde as mais famosas cortesãs podem receber clientes que podem apenas querer entretenimento não sexual – uma perspectiva curiosa sobre o desenvolvimento das capacidades intelectuais das mulheres.

Aproveitando o conhecimento e a curiosidade de Maomao, a narrativa vai apresentando mistérios, alguns pequenos e contidos em poucos episódios, outros que se desenvolvem ao longo de vários volumes, onde se exploram as características medicinais de plantas e outros produtos, muitas vezes com diálogos sarcásticos e inteligentes.

Em pano de fundo, Maomao desenvolve relacionamentos, sobretudo de amizade, ainda que num destes pareça existir uma tensão amorosa que nunca é endereçada directamente. Vai sendo explorado de tantos em tantos volumes, cada vez mais directo, mas ambas as personagens parecem ter impedimentos para prosseguir com as revelações mais importantes que envolvem esta tensão.

O desenvolvimento global da história é lento. Os volumes vão apresentando os mistérios e captando interesse pela forma como são resolvidos (recorrendo a conhecimentos de química e medicina) mas do ponto de vista da personagem principal, pouco lhe acontece realmente de volume para volume. Existem, no entanto, alguns volumes mais focados no seu passado ou nas suas origens, o que explica as suas capacidades e a forma como se relaciona com os que a rodeiam.

A série destaca-se, por um lado, por apresentar uma construção complexa e coesa, desenvolvendo várias personagens e enredos que se interligam, mas também por se basear numa personagem pouco comum. Não existem poderes fantásticos ou mirabolantes, nem forças extremas. Maomao é uma personagem inteligente, mas também sensível, que costuma ter em conta as consequências das suas descobertas nos que estão envolvidos. Não existem vilões absolutos. Mesmo as personagens que perpetuam actos maléficos foram levadas pelas circunstâncias, ou estão em situações vulneráveis sem grandes alternativas.

Mas o mundo da corte também não é uma fantasia ideal. As consortes são oferecidas ao Imperador, seja por alianças políticas seja por serem um encargo nas suas famílias. Mesmo que o Imperador não revele interesse nelas, ficam presas à sua posição, sem nunca poderem deixar o Palácio, dependendo o seu poder das suas origens, mas claro, de serem capazes de gerar descendência. Já as criadas possuem problemas semelhantes – pobreza e pouca importância, chefes déspotas que gostam de usar o pouco poder que possuem, peças descartáveis num mundo complexo.

Em suma, quatorze volumes depois, a série tornou-se viciante, apresentando mistérios sucessivamente mais intensos e complexos. A história encontra-se neste momento numa quebra de padrão, colocando Maomao num cenário totalmente novo, em circunstâncias simultaneamente perigosas e curiosas.