Apesar de Stanislaw Lem ser um dos nomes mais conhecidos da ficção científica (pelo menos entre os clássicos) é um autor que nunca peguei – até agora. A Antígona tem publicado alguns dos livros de Stanislaw Lem, sendo Solaris um dos mais conhecidos. O livro terá sido adaptado diversas vezes para cinema, teatro ou rádio – e ainda assim, de alguma forma, consegui viver até agora sem conhecer a história deste clássico. Até agora.

A história começa com a chegada de um cientista a uma estação espacial, situada num estranho planeta, cujo oceano se pensa compor uma entidade alienígena massiva, de características pouco usuais. Ao chegar, o cientista percebe que algo terá tido impacto no quotidiano da estação. A causa mais óbvia será o suicídio de um colega. A menos óbvia serão os fenómenos pouco usuais que afectam os restantes, e que rapidamente o atingem também a ele, com o vislumbre da falecida esposa.

A narrativa alterna entre estranhos episódios que apresentam a interacção do cientista com a falecida esposa. Apesar de saber que tais interacções não são possíveis, existindo algumas incoerências, o cientista vai reagindo às suas emoções, ao mesmo tempo que explora, de forma lógica, o fenómeno. A situação é, claro de enlouquecer qualquer um.

A acção decorre num espaço contido, fechado e claustrofóbico. Não só pela localização num planeta distante, no meio de um oceano sem fim, mas porque a presença alienígena, simultaneamente assombrosa e reconhecível, é algo a que parece ser impossível escapar. Até porque a presença alienígena não escolhe formas ao calhas, mas os fantasmas da culpa de cada um, memórias que deveriam estar enterradas, gerando uma espécie de expiação.

Os cientistas resistem a confrontar-se com estes fantasmas, assumindo uma postura de quem deve pagar pelos seus pecados. A culpa consume-os, levando-os a recordar memórias dolorosas. Consequentemente, isolam-se, cada um aguentando o seu arrependimento e a sua sentença. Pelo menos até chegar o novo cientista que, apesar das iniciais reacções, finalmente resiste e resolve explorar o fenómeno.

Esta exploração assume várias vertentes. Por um lado, a leitura de vários textos sobre o vasto oceano que constitui a entidade alienígena. Incluem-se experiências ao longo dos anos por várias equipas humanas, incluem-se reacções absurdas por parte do oceano, mas também a sua aparente passividade perante as interacções. Por outro, a exploração desenvolve-se analisando as entidades que se apresentam na estação, realizando exames e construindo hipóteses.

A história desenvolve-se lentamente. Vai apresentando vários textos sobre o planeta e o seu alienígena gigante, intercalando-os com os acontecimentos a bordo da estação, mas também reflexões e memórias apresentadas pela personagem principal. Numa outra interpretação, estes textos servem, não só para aprofundar o mistério, mas também para nos questionarmos sobre a interacção com uma entidade não humana, com a qual os seres humanos tentam comunicar ou compreender, mantendo uma abordagem muito centrada na visão humana – que se desenvolve retirando inteligência por falta de compreensão e consequentemente, passando à tentativa de controlo.

Solaris leva ao questionamento, mas não necessariamente a respostas – pelo menos do ponto de vista narrativo. É uma história que apresenta uma vertente introspectiva, tanto em torno do reconhecimento de uma entidade alienígena, como do conceito de humanidade, contrapondo autenticidade com memória.