
Baseada numa lenda bretã em torno da cidade de Ys, esta banda desenhada apresenta uma narrativa com contornos clássicos e detalhes mais modernos, contrastantes com o visual de estilo naive.
A história
Ys (também conhecida como Is, Kêr-is ou Vila de Ys) é uma cidade mítica na costa Britânica que terá sido engolida pelo oceano. A maioria das versões coloca a cidade na Baía de Douarnenez, em França. Teria, segundo as lendas, sido uma cidade grandiosa, rica em comércio e artes, com um palácio ricamente construído, protegida das águas por um dique. Quem teria as chaves do dique seria a filha do rei que acabaria por as abrir. Dependendo da versão, a jovem terá usado as chaves ora por amor (enganada por um suposto amante) ora por engano, ao estar embriagada.
Esta versão da história começa antes da criação da cidade, mostrando como uma feiticeira salva um príncipe, concedendo-lhe duas filhas e uma cidade fabulosa. No entanto, estas doações desgastam a feiticeira, que se vê envelhecer prematuramente, falecendo e deixando duas filhas muito jovens. Sem mãe, as duas crescem de forma muito diferente – a mais velha prefere deambular na natureza, traumatizada por ver o pai continuar a vida com outras mulheres; enquanto a mais nova assume as responsabilidades da corte, seduzindo homem após homem em noites de festa. Não se pense, no entanto, que estas seduções são românticas, escondendo antes o preço a pagar para a manutenção dos diques que protegem a cidade.
Crítica
A história afasta-se bastante do original, compondo-a numa história mais complexa, de relacionamentos familiares complicados e conferindo passado e continuidade às personagens da história original. Não conhecendo, antes da leitura do livro, as lendas em torno de Ys, posso dizer que The Daughters of Ys é compreensível sem qualquer introdução ou necessidade de leitura complementar.
O relacionamento entre o rei e a sua esposa feiticeira é, sem dúvida, interesseiro, revelando um rei egoísta e focado nas riquezas e maravilhas que pode ter nos seus domínios. Este egoísmo será, também, evidente, em partes posteriores da história, tanto quando se afasta de enfrentar o real custo dos diques, como no final pela forma como enfrenta as perdas expectáveis.
Já o relacionamento entre as irmãs é de ressentimento. Por um lado, a irmã mais velha ressente-se com a sua visão do pai, afastando-se de tudo, e não percebendo a irmã mais nova que anda de baile em baile. Por sua vez, a irmã mais nova ressente-se por ter de executar o preço dos diques e ter de assumir as responsabilidades na corte.
Estes pesados relacionamentos familiares, a par com a existência de duas princesas (nas lendas originais é só uma) servem para tecer uma história de crescimento e drama, compondo a história, para além dos acontecimentos lineares do que decorre com a cidade.
Por detrás da manutenção da esplendorosa cidade encontramos um negro segredo. Se, com a feiticeira, as maravilhas derivavam da sua força vital, agora, sacrifícios devem ser feitos para manter os diques. Estes detalhes conferem algum lado negro à história, mas que, a meu ver, não possuem o mesmo peso que o egoísmo do rei.
Apesar de cruzar elementos tradicionais com elementos mais modernos, e de apresentar uma abordagem mais próxima das personagens, The Daughters of Ys tem algumas falhas narrativas. A caracterização das duas irmãs é algo cliché e a forma como se desenvolvem também e ainda que os clichés possam ser usados (porque funcionam), aqui a narrativa não consegue ir além da premissa que usa.
Conclusão
The Daughters of Ys é uma leitura mediana. Consegue tecer uma introdução interessante com a feiticeira e o estranho rei, mas desenvolve de forma expectável o relacionamento entre as filhas. Mesmo os elementos mais negros poderiam ter sido interessantes, mas a história segue o caminho previsível de personagens que não tomam o seu própria destino nas mãos. Em termos visuais é agradável.