Madeline Miller publicou dois livros anteriores a este, sendo que ambos se tornaram conhecidos. O primeiro, The Song of Achilles, conta a história de Aquiles numa perspectiva romantizada. O segundo, Circe, conta a história da divindade na perspectiva da própria, pretendendo mostrar como foi levada às acções horríveis que as lendas nos contam. Ambos foram publicados em Portugal pela Minotauro.Li ambos, tendo gostado mais de Circe, e fiquei, claro curiosa por ler este Galatea.

A história

Segundo as lendas, Galatea seria o nome da estátua que a Deusa Afrodite trouxe à vida, a pedido do escultor Pygmalion que se terá apaixonado pela sua criação. Galatea é unida em casamento a Pygmalion.

Madeline Miller usa este ponto de partida para tecer uma história curta mas eficaz – é que esta entidade que Afrodite trouxe à vida, poderia habituar um corpo feminino adulto,mas não teria a maturidade de um adulto. De aspecto perfeito e textura agora humana, torna-se a mulher dos sonhos de Pygmalion, não fora pelo facto de falar, pensar e sentir.

Galatea encontra-se agora semi enclausurada, controlada por médicos e produtos soporíferos, sendo visitada pelo marido que continua a apreciar o seu aspecto mas não a sua humanidade. É, sobretudo, uma relação de controlo e abuso, na qual Galatea perde influência por conta das marcas da gravidez que lhe alteram a figura.

Crítica

Galatea é uma história muito curta. O formato do livro é inferior ao do meu telemóvel e contém cerca de 50 páginas com largo espaçamento. Ainda assim é uma boa história, que nos remete para a desproporção de poder num casamento juvenil e para a forma como algumas destas uniões se tornam tóxicas.

Pygmalion é controlador e abusivo, procurando em Galatea uma figura femina perfeita sem pensamentos próprios e inocente. Galatea torna-se mulher pelo desejo lascivo de Pygmalion e não por este procurar uma parceira. Com o decorrer do tempo Galatea vai desenvolvendo uma personalidade e uma vontade, que se vinca com a existência de uma filha da união.

Ambos os elementos são factores que Pygmalion vê fugir ao seu controlo, optando pois então por uma solução desumanizadora – uma progressão irónica considerando a forma como Galatea ganha a sua vida humana. Mas claro que Galatea desenvolve algumas técnicas para conseguir influenciar algo na sua vida cativa.

Quadro de Ernest Normand (1886) relativo à lenda

Conclusão

Galatea é uma história curta, mas brutal. A forma como Madeline Miller usa uma personagem menor das lendas para lhe dar uma perspectiva própria e, até, chocante, é cativante e envolvente. Afinal, Galatea não pediu para nascer, mas também não teve qualquer escolha no seu destino. Tal como em Circe, a autora remete-nos para as questões feministas, mostrando-nos a perspectiva feminina numa sociedade orientada para mostrar apenas a perspectiva masculina – algo bastante comum nas lendas gregas e romanas, concedendo uma reviravolta interessante à história clássica.

Escultura (1763) de Falconet