
Sete anos separam este livro de Circe, ainda que em tema sejam bastante semelhantes. Em Circe a autora centra a história numa divindade menor que cresceu quase ignorada pelos deuses, sem grandes poderes e de escassa beleza em comparação com os mortais. É uma leitura forte que pega numa série de lendas e as transforma, mostrando como tanto os deuses como os homens têm medo das mulheres autónomas que possuem capacidades de bruxaria.
Em The Song of Achilles a história é contada pela perspectiva de Pátroclo – o amante do herói que o conheceu na infância. Pátroclo apresenta uma perspectiva única. Príncipe exilado e pouco dado a brincadeiras com as outras crianças, encontra em Aquiles uma figura para admirar, o único que o toma como companheiro e o único a quem Aquiles acaba por mostrar os seus segredos.

Aquiles terá uma origem semi divina, sendo filho de Tétis, uma divindade menor que após realizar a sua função como esposa de um rei humano por alguns meses (ficando grávida) deixa os humanos. Aquiles cresce na côrte do pai, vigiado pela mãe que acompanha a sua evolução, revelando as sucessivas profecias de que irá ser um dos maiores guerreiros da história humana.
A ligação que Aquiles estabelece com Pátroclo não é bem vista por Tétis. A ligação de amizade e de fascínio que se estabelece em criança há-de desenvolver-se em companheirismo e amor, constituindo os dois um casal inseparável – uma relação que poderá manchar a reputação de Aquiles no seu futuro de guerreiro.

Pátroclo, por sua vez, também é filho de um rei. Demasiado fraco (e até estúpido) para contar como matou outra criança (a tentar defender-se) acaba exilado na corte de Peleu, sem direitos nem posses – mais uma criança entre outros tantos renegados. Mas cedo se percebe que não é como os demais deambulando sozinho e mostrando fascínio apenas por Aquiles.
Enquanto que, em Circe, a autora opta por uma perspectiva muito humana de uma figura divina, aqui a autora mostra Aquiles pelos olhos de Pátroclo como uma figura quase perfeita, um rapaz que cresce sabendo-se superior (mas nem por isso arrogante) numa distância que lhe retira alguma empatia pelos humanos e que o levará a dar demasiado valor à honra.

Já durante a Guerra de Tróia, os acontecimentos não trazem grande surpresa. Pátroclo consegue desenvolver algumas capacidades médicas no caos da guerra, e será a sua forte empatia (contrastante com Aquiles) que levará o herói a agir de forma mais humana e correcta. Mas com limites. E será exactamente este limite de empatia da parte de Aquiles que traçará o fim de ambos.
A perspectiva da autora acaba por revelar-se algo ingrata nalguns momentos. O relato de Pátroclo acaba por se centrar em Aquiles (com alguns episódios mais pessoais, mas poucos) fazendo com que tenhamos pouca percepção dos verdadeiros pensamentos e sentimentos do herói. Assistimos às suas façanhas e à forma como age com os restantes, mas persiste como uma figura que não chega a ser totalmente compreensível.
O resultado é uma boa leitura (ainda que não tão boa quanto Circe) que nos mostra uma nova perspectiva de um mítico herói grego que ecoa ainda nos dias de hoje. Os elementos fantásticos são pontuais e quase restritos às capacidades de batalha de Aquiles, e ao surgir de algumas criaturas supostamente divinas. The Song of Achilles é uma leitura agradável e cativante, que poderá ser apreciada mesmo para quem não gosta de Mitologia.