
Tenho de começar por dizer que nunca li D. Quichote de la Mancha. Mas li outros livros de Salman Rushdie que adorei. Dois anos, oito meses e 28 dias é uma história formidável que remete para as 1001 noites e a Feiticeira de Florença leva-nos por várias histórias de tom fantástico, exótico e surreal. Antes do autor ser recentemente notícia, escolhi este Quichotte como um dos livros a ler nas férias.
História
Um velhote sozinho apaixona-se por uma figura pública, achando que esta poderá ser finalmente o amor da sua vida. O velhote, um vendedor de uma empresa farmaceutica, tem uma visão romantizada e cavalheiresca do mundo, mas também uma dose de loucura. Na sua mente cria um filho perfeito, o seu Sancho que o irá acompanhar na demanda para conquistar o seu amor platónico.
Em paralelo, vamos descobrindo episódios familiares passados, e como os relacionamentos com os familiares são disfuncionais, circundados por segredos de acontecimentos traumáticos e dolorosos.



Crítica
Este é, até ao momento, o livro que menos gostei de Salman Rushdie. Apesar da aura quixotesca, vamos percebendo que este louco que constrói como personagem principal é uma personagem aluada e egoista, demasiado centrado em si e nas suas necessidades – pelo menos até ser confrontado com algumas verdades e realidades.
O autor contrói, em torno do seu D. Quixote, megaficções, construindo personagens dentro de personagens, histórias dentro de histórias, e conferindo várias perspectivas para um mesmo acontecimento. Por vezes, a mesma personagem pode contribuir com mais do que uma perspectiva – até porque existe a história que conseguimos admitir sobre nós mesmos e a história que realmente aconteceu.
Ainda assim, Quichotte é, comparativamente com os outros dois que li do autor, menos mágico e menos fantástico. A aura ficcional pode ser justificada como auto-ilusão da personagem principal, sendo que a narrativa acaba por explorar as disfuncionalidades de famílias que se afastam das suas raízes culturais e se “perdem” nas sociedade ocidentais em percursos profissionais e científicos.
O resultado é, por vezes, denso. As ficções dentro de ficções, vão explorando perspectivas diferentes, mas de formas que nem sempre são óbvias. O puzzle vai sendo construído de forma lenta, misturando falsidades com verdades e ilusões com duras realidades. Existem detalhes peculiares nas personagens, especificidades que lhes conferem personalidades, mas também irritações. Não são, portanto, pessoas perfeitas e imaculadas, mas personagens que erram e teimam, que falham e rejeitam os seus erro. São também personagens que tentam corrigir esses erros, mas que falham e nem sempre conseguem ultrapassar o seu próprio orgulho. Neste aspecto o livro apresenta semelhanças com os restantes do autor, ainda que a temática me tenha sido menos interessante, e por isso, menos envolvente.
Conclusão
Em Quichotte, Salman Rushdie joga com ficções, construindo ilusões dentro de ilusões. A narrativa centra-se bastante na disfuncionalidade familiar e revela como algumas pessoas criam as suas próprias realidades para se justificarem a si mesmos. É uma leitura excelente, mas menos envolvente do que os outros que li do mesmo autor.