Escritor de ficção científica brasileiro, Gerson Lodi-Ribeiro publicou várias histórias, tanto no mercado brasileiro (em antologias, revistas e romances) como no mercado internacional (na revista francesa Antarés, por exemplo). Em Portugal podemos encontrar alguns dos seus contos em antologias ou outras publicações soltas (como na antologia O Universo tem duas margens ou num suplemento especial sobre futuro do Diário de Notícias). Recentemente, o autor divulgou a publicação de alguns dos seus livros em formato Kindle. Este é um dos que peguei, curiosa pela premissa.

Quando os Humanos Foram Embora é um volume que nos leva a uma humanidade distante, que não só anda pelo espaço, como colonizou vários outros planetas e fez contacto com outras espécies alienígenas. Este volume trata, exactamente, de mais um contacto com uma nova espécie – mas neste caso, trata-se de uma espécie peculiar. A biologia destes seres não tem base de carbono e vivem no interior líquido de um planeta gelado.

A história tem início na perspectiva dos alienígenas que, ao emergirem, pela primeira vez na superfície do seu planeta, descobre uma estrutura que nitidamente não poderia ter sido construída por eles. Nesta estrutura encontram um ser bípede que lhes explica estar à espera do célebre momento. Este ser será afinal um robot, dotado de suficiente inteligência artificial para ser considerado, pelos seres humanos, uma entidade com liberdade, autonomia e direitos.

A biologia destes alienígenas será bastante diferente da dos humanos, com uma existência que prossegue ao longo de três fases, iniciando-se com uma fase larval infantil, prosseguindo para uma forma móvel (que terá sido a que prosseguiu no caminho à superfície) e finalizando (os que sobrevivem) em anciãos que se fixam num determinado local.

Esta história, mais curta do que um romance, surpreendeu pela positiva em vários aspectos. Por um lado, conseguiu explorar uma premissa de encontro entre duas espécies de origens diferentes numa nova perspectiva. Estes seres, apesar de diferentes, têm uma perspectiva muito própria que o autor consegue explicar sem debitar informação na sua forma pura. Um dos aspectos mais diferenciadores é exactamente possuir um metabolismo não associado aos hidratos de carbono, para os quais o oxigénio é tóxico, hipótese contestada pelas ciências biológicas (e com argumentos bastante lógicos que conheço bastante bem) – mas se a probabilidade de surgir vida como a conhecemos é diminuta, será que não existe uma outra forma que a ciência humana não perspectivou?

Outro dos aspectos interessantes neste encontro é a forma pacífica como as duas espécies se envolvem e progridem. Talvez uma forma demasiado utópica, por me parecer difícil que os humanos ajam, de forma coerente e unida, em apoiar a nova espécie, acompanhando e favorecendo a sua progressão, e, até, respeitando a sua forma de pensar e de encarar o Universo que os rodeia. Não é um exemplo que possamos ver na história da Humanidade.

Na realidade, a humanidade aqui descrita parece mais adulta – mais diplomática, mais madura e construtiva. O encontro com a espécie alienígena é cordial, com partilha de informação e conhecimento, recordando a forma como um adulto ensina e guia uma criança para enfrentar um novo mundo, mas simultaneamente, deixando ao seu critério as decisões associadas ao seu próprio futuro.

A história não tem muitas reviravoltas e apesar de apresentar uma outra problemática, do ponto de vista narrativo, falta-lhe um conflito mais profundo que nos faça sentir mais empatia com as personagens. Felizmente, este detalhe (que é um cliché, mas lá está, como cliché, costuma funcionar) é compensado pelo relato do encontro e a sua progressão, demonstrando formas diferentes de pensar e perspectivas associadas a uma diferente evolução.

A escrita de Lodi-Ribeiro é fluída e objectiva, mas não desprovida de bem pontuados adereços. A ausência de conflito maior leva a que as interacções sejam positivas e construtivas, por vezes curiosas. A informação partilhada está contextualizada e não se apresenta em verborreias. Por vezes, parece estarmos perante um relato distante (ligeiramente académico), por vezes, apresenta-se a perspectiva mais “pessoal” da personagem – mas o tom funciona bem na história que se nos apresenta.

O resultado é intrigante e envolvente, cativando-me desde o início ao final do livro. O ritmo é mais ou menos constante, sem grandes acelerações ou picos de acção, mas com uma cadência que nos permite disfrutar de uma leitura fluída, relaxada mas curiosa. E agora vou à procura das outras histórias no mesmo Universo!

Advertisement