
A Arte de Autor lança, no mercado português, um volume integral de Segmentos – uma banda desenhada de Richard Malka e Juan Giménez. Se o nome de quem narra me é desconhecido, já o nome de Juan Giménez remete para o clássico Metabarões com Jodorowski.
Segmentos é, também, uma banda desenhada de ficção científica, com uma história que cruza ciência com alguma aura de destino, centrando-se numa personagem que é uma espécie de escolhido. A narrativa leva-nos a um império interplanetário humano, onde um grupo de seres imortais implementa um sistema de governação diferente, com vista a acabar com as guerras.



Neste sistema, os humanos são separados consoante as suas personalidades em diferentes planetas. A paz é realmente algo que se mantém ao longo de séculos, mas em contrapartida a natalidade decresce – de tal forma que a humanidade está em perigo. É nesta realidade, futurista e distante, que duas personagens se cruzam num tribunal. Depois de escaparem juntas, enveredam por um caminho sem retorno, onde descobrem os segredos mais profundos daquele sistema.
A história apresenta uma cadência acelerada, entre as ideias mirabolantes do par de fugitivos e a perseguição a que são sujeitos pelas autoridades. De esconderijo em esconderijo, de planeta em planeta, vão seguindo pistas para algo que desconhecem. Pelo caminho, juntam-se cúmplices, inicialmente forçados, mas que acabam por ajudar na demanda.
A fuga permite-lhes passar por diferentes planetas que apresentam formas muito próprias de existir. Temos, entre outros, locais de orgias infindáveis, de obesidade mórbida ou de religiosos que tapam as crianças da cabeça aos pés e queimam aqueles que os ousam descobrir. Encontramos, pois, várias vertentes humanas levadas ao extremo, num retrato cínico da humanidade que, curiosamente, me recorda alguns livros de Jodorowski. E não só no traço de Giménez.



Comparativamente, Segmentos parece uma versão mais contida dos temas fantasiosos e alucionados de Jodorowski – a sexualidade, a violência, o vício, a criação de um mundo de extremos onde se caricaturam os humanos e as suas manias. Ainda que mirabolante, irreverente e crítico, este Segmentos perde-se menos em misticismos e superstições, ainda que exista a típica figura do escolhido, e alguns detalhes na história que a fazem parecer grandiosa.
A componente crítica pode ser vista em vários momentos, mas a dos tribunais é uma das mais destacadas. Curiosamente, Richard Malka é advogado, pelo que não deixa de ser curiosa a sua caricatura de um procedimento judicial. Ambas as personagens principais se vêm num tribunal que parece um reality show – vendem-se bilhetes e apenas há audição se a mesma for financeiramente proveitosa, há público audível e o juíz constrói um espectáculo para as massas, onde submete os que estão a ser condenados (injustamente) a estranhos castigos.



Segmentos recorda os clássicos de ficção científica, ainda que, pelo que pesquisei, seja relativamente recente. Claro que o traço de Giménez contribui para esta sensação, mas a história de Richard Malka também parece ter contornos de narrativas mais clássicas – elementos decadentes em sociedades tecnologicamente muito avançadas, no limite do infâme, com uma ironia que usa o extremo para criticar a nossa realidade.
Imaginativo mas contido, Segmentos encontra-se nas minhas preferências de leitura – ficção científica adulta, pouco condescendente para com o leitor, com alguns elementos que podem chocar leitores mais sensíveis, onde se soma um humor negro peculiar (que, para mim, poderia ter sido um pouco mais carregado).