A Uncanny costuma distinguir-se entre outras revistas de ficção especulativa, por possuir histórias diferentes. Nem sempre estou na disposição do tipo de ficção que oferece, mas resolvi-me a ler este número por conter uma história premiada de T. Kinfisher (Metal Like Blood in the Dark). É, efectivamente, um conto brutal que vale a pena procurar.

Mas a revista tem outras histórias. Algumas boas, algumas esquecíveis. Tem também uma parte de não ficção e uma parte de poesia temática que não é tanto o que pretendo ler. Vou destacar apenas o que me agradou (para além da história de Kingfisher que teve direito a uma entrada específica no blogue).

Anchorage de Samantha Mills é uma história agradável que se centra numa entidade artificial que reage de forma peculiar afastando-se da sua programação. A história decorre numa nave espacial onde há um viajante a mais – um viajante que é apenas percepcionado pela entidade. A história tem alguns elementos engraçados na percepção de um futuro onde explora a relação com a música e a literatura, mas poderia ser mais desenvolvido.

Laws of Impermanence de Kenneth Schneyer apresenta uma premissa bastante interessante que, a meu ver, é mal aproveitada. E se os textos se degenerassem com o passar do tempo? Na realidade criada por Kenneth, tal como o DNA pode alterar-se, também os textos se alteram, numa taxa fixa, conhecida e estuada. O texto continuará a fazer sentido, sendo difícil identificar as palavras que foram alteradas, mas com o passar dos anos o texto pode estar tão alterado que deixa de ser a mesma história. Como evitar esta degeneração? Lendo o texto rotineiramente.

A premissa é curiosa e interessante, mas o autor aproveita-a para construir uma história em torno de um testamento que por engano, não foi visualizado na frequência necessária. O seu conteúdo é, portanto, contestável.

Também podemos encontrar Lavie Tidhar neste número, com Juvenilia. A história decorre no século XX, em Inglaterra, perto de uma guerra, centrando-se numa empregada doméstica que procura uma posição numa mansão. As regras da casa são poucas mas incontestáveis, e, ao início a empregada não sente curiosidade em as questionar. As circunstâncias levam-na, no entanto, a conhecer as estranhas visitas daquela mansão, que aparecem e desaparecem sem ser anunciadas e sem grande preparação. A história de Lavie Tidhar estará relaciada com o mundo Juevenilia, criado pelas irmãs Bronte quando eram adolescentes.

É, na prática, uma história inconsequente, com elementos curiosos e interessantes, usando a ficção presente em Juevenilia, recordando histórias de fantasia que usam elementos clássicos da mitologia Celta. O resultado tem momentos agradáveis, mas pouco memoráveis, apesar da competência da escrita.

O conto de James Yu é um dos mais interessantes. In the Space of Twelve Minutes apresenta um homem que foi separado da sua esposa quando esta parte para uma missão de Marte. Para garantir a continuidade do casamento, ambos compram bonecos quase humanos que remetem para os seus parceiros para onde descarregam as suas memórias e que estarão em contínua comunicação (apesar da distância) com os originais.

Estes “bonecos” ou avatares possuem algumas limitações, mas também algum arbítrio nas suas acções, agindo em coerência com as memórias e personalidades que lhes foram carregadas. A história decorre mostrando como o homem se afeiçoa à boneca, e como vai recebendo notícias da esposa que se encontra noutro planeta.

A história explora os limites da tecnologia e do relacionamento humano, criando entidades à imagem de pessoas vivas, que mimetizam as interacções de um casamento. É um conto inteligente e contido, que não se expande em deambulações filosóficas, ainda que levante várias questões pela forma como desenvolve a história.

Em suma, este número da Uncanny tem dois contos muito bons (o de T. Kingfisher e o de James Yu), mas, como é usual em antologias e revistas, tem outras histórias que não me agradaram tanto. Algumas têm ideias excelentes, mas que julgo mal aproveitadas, mesmo quando apresentam uma escrita competente.