Um dos mais recentes lançamentos da Polvo é um volume em capa dura com as Lendas Japonesas de José Ruy. Este volume é baseado na obra de Wenceslau de Moraes, escritor e militar da Marinha Portuguesa, que foi o autor de vários livros sobre assuntos ligados ao Oriente, em especial ao Japão.
José Ruy foi um dos autores da Idade de Ouro da banda desenhada portuguesa, tendo começado a publicar aos 14 anos na revista O Papagaio. Seguiram-se várias publicações, em revistas e álbuns, destacando-se algumas adaptações como A Peregrinação ou Os Lusíadas.
Este álbum terá sido aquele em que trabalhava quando faleceu, ainda que, segundo o próprio, na introdução deste volume refira que 9 destas histórias foram desenhadas há mais de 70 anos, entre 1949 e 1951. Algumas sofreram actualização dos desenhos, como Amaterasu, a história que abre este volume. Depois de várias tentativas frustradas de publicação, eis, lançado através da Editora Polvo.
(Correção – este tinha sido o meu entendimento da sinopse, mas as histórias presentes neste livro terão sido desenhadas apenas para esta publicação)



Como se percebe, este volume apresenta onze contos populares japoneses, contendo elementos tradicionais, como deuses, espíritos e animais falantes. Quase todas estas histórias apresentam uma moral peculiar, uma lição ou um elemento caricato que as torna diferentes. São todas histórias curta e rápidas.
O volume abre a Amaterasu, a Deusa da Luz do Sol mostrando uma deusa que distribui o seu conhecimento e luz pelos demais. Farta das peripécias do seu irmão, o Deus dos Mares, esconde-se de numa gruta. O segundo conto, Orochi, a Serpente com 8 cabeças, continua a história focando-se agora no irmão. É um duo curioso, que fecha de forma positiva e apresenta a relação entre os deuses e o Imperador do Japão.
As restantes histórias apresentam situações cómicas ou caricatas com animais (como Biki no Kaeru, as duas rãs curiosas) ou acontecimentos que parecem dignos de uma antologia de horror (como Nan on Ingwa… porquê tanto sofrer ou Jorogmo e o Templo Assombrado) com espíritos malignos. Encontramos também uma história de detalhes sobrenaturais como Ninguio e a sereia cujos contornos me recordam A Dama Pé-de-cabra (e outras lendas do tipo). Algumas histórias possuem uma lição moral vincada, entregue numa reviravolta irónica, enquanto outras se apresentam apenas como histórias acima dos humanos (quando se referem a deuses)



Em termos visuais, notam-se algumas diferenças entre as várias histórias, sendo que as primeiras páginas se encontram mais em tons pastel e num formato mais rígido. Nas últimas histórias do volume encontramos mais jogos de sombras com a utilização da cor negra, mais foco nalguns elementos (sem tanto detalhe no que os rodeia, o que lhes confere maior destaque)
Este volume apresenta, para além das histórias, uma apresentação de José Ruy com o contorno dos acontecimentos entre as primeiras páginas e a publicação, bem como algum material extra – uma espingarda portuguesa no japão, as biografias de José Ruy e Wenceslau de Moraes e uma última página com o resumo da história de Wenceslau em banda desenhada.
Trata-se de um volume belíssimo, de visual cuidado, com folhas de guarda compostas por desenhos dos vários contos. A introdução pelo autor dá um bom enquadramento sobre a forma como surgiu este projecto, levando-nos a questionar quantos mais ficaram pelo caminho.




Um pequeno esclarecimento. José Ruy começou realmente a desenhar lendas japonesas inspirado nos textos de Wenceslau de Morais há 70 anos. Contudo, as que compõem este livro foram todas desenhadas apenas para este livro, em 2020-2021. Apenas uma delas, o texto já tinha sido ilustrado anteriormente para outra publicação, porque ele gostava muito dessa lenda. Para este livro esse mesmo texo foi de novo ilustrado. Grata Maria Fernanda Pinto
Obrigada pelo esclarecimento. Na introdução não tinha tirado uma conclusão tão limpa sobre a altura das ilustrações presentes no livro, e tinha ficado com a impressão (sobretudo na primeira história que parece ter um traço ligeiramente diferente) que os desenhos já existiriam e teriam sido retocados. Obrigada.