Aqui há uns anos publiquei um texto onde falei de todos os livros que tinha lido até à data de Zoran Zivkovic. Dei-lhe o título de As histórias circulares de Zoran Zivkovic. A maioria das suas narrativas jogam com os limites da realidade e da fantasia, interligando as duas de forma curiosa. Nalguns livros, reúnem-se histórias com diferentes perspectivas sobre um mesmo tema.

Curiosamente, uma das histórias que mais me deu prazer ler foi um livro que foge um pouco à (des)construção habitual, falando do livro como objecto, usando como personagem principal o próprio livro, e tecendo vários comentários críticos ao negócio editorial. Chama-se, claro, O Livro. Também curioso, ter sido no lançamento deste livro que pude conhecer o autor que, até, conhecia o meu texto sobre a sua obra.

Na altura falou-me do lançamento programado de todos os seus livros numa nova editora, a Cadmus Press. Ainda que o Luís Rodrigues tenha feito um bom trabalho na PS Publishing com as suas capas brancas e minimalistas, a Cadmus optou por desenhos mais coloridos e fantásticos. Em Portugal, alguns dos livros de Zoran Zivkovic foram lançados pela Cavalo de Ferro, mas infelizmente ficou-se por cinco volumes. Estranhamente, este The White Room foi publicado também em português como O Espaço Branco na editora Narrativa… mas numa colecção infantil. E ter-me-ia passado ao lado, não fosse o Luís Filipe Silva ter-me alertado para este lançamento.

É estranho começar um texto sobre um livro com toda esta sucessão de elementos, mas tenho um objectivo. É que The White Room é um livro muito pouco infantil. Não que tenha episódios denominados de adultos com sexo ou violência. Nada disso. Mas é uma obra estranhamente simbólica, que refere todos os livros anteriores e leva a personagem principal (o próprio autor) a rever as suas narrativas.

É, portanto, um livro estranho de ser publicado em português isoladamente, um fenómeno editorial. Será muito difícil de ler por algum adulto que não conhece a obra de Zoran Zivkovic. As referências serão irreconhecíveis. Por outro lado, se é difícil de ler por um adulto, que dizer de uma criança, já que este livro foi publicado numa colecção infantil. Talvez pretendam lançar os restantes e usar este para lançar a curiosidade?

Correção – Aparentemente, o livro não se encontra numa colecção infantil, ainda que aquando do lançamento, na página da editora, parecesse (aliás, foi a percepção de alguns contactos quando me avisaram para o lançamento). Felizmente, fui contactada pela editora que elucidou que não só que a colecção não é infantil, como pretende lançar outros livros do autor. Deixo o texto original para referência e por não me parecer correcto retirá-lo depois de publicado.

Bem, mas afinal o que é The White Room? Como referi, é um livro onde a personagem principal, personificação ficcional do próprio autor na sua narrativa, Zoran Zivkovic, revê as suas obras ficcionais. Mas não de uma forma inicialmente reconhecível e óbvia. A narrativa inicia-se quando a sua companheira não volta a casa no final do dia. Após contactar a polícia recebe um vídeo dela, mas que terá qualquer coisa de estranho – de tal forma que até a Segurança Nacional será envolvida.

A companheira mantém-se desaparecida e ninguém parece ser capaz de a localizar. Mas da mesma maneira que as narrativas de Zoran se multiplicam (como em Twelve Collections and the teashop ou Seven Touches of Music), também os vídeos da companheira se multiplicam de forma impossível, como partes ou perspectivas de algo. Cada vídeo remeterá para um livro diferente do autor – mas existe algo mais que une estes vídeos.

The White Room é um livro simultaneamente diferente e semelhante a outros do autor. Por um lado, tem como personagem principal o próprio autor e usa referências das restantes obras, decorrendo no mesmo espaço durante toda a narrativa. Por outro, é, tal como outras narrativas do autor, um fractal, um jogo de repetição de algo que vai crescendo e evoluindo – ainda que a apresentação não seja fragmentada, mas unida pela personagem que é o próprio autor.

The White Room necessita de uma leitura cuidada e pausada. É, novamente, um puzzle narrativo, um caleidoscópio carregado de alusões e jogos de ideias, que deve ser jogado por quem conhece a restante obra do autor. Para quem conhece, este The White Room não deixa de ter uma sensação de final, parecendo unir e fechar a obra de Zoran Zivkovic.