Escritor sérvio, vencedor do World Fantasy Award, tem muito mais obras do que aquelas que foram publicadas em português pela Cavalo de Ferro, cerca de 22 livros de ficção e 8 não ficcionais, destacando-se em quase todas a forma como a fantasia se entrelaça com a realidade (ou a realidade com a fantasia) e como joga com os papéis transcendentes de leitor e de escritor.
Vários dos seus livros apresentam conjuntos de histórias surreais centradas num só tema, episódios em torno de diferentes personagens que são apresentados de forma totalmente autónoma, até ao final, que nalgumas colectâneas é de tirar o fôlego. Esta é a forma de apresentação dos primeiros trabalhos, que tem sido atenuada nos últimos livros, que apesar de labirintos, constituem histórias únicas e contínuas, sem este entrelaçar de diferentes contos.

Romances ou colectâneas, depois de se lerem algumas das suas obras vê-se levantar um padrão, uma exploração consistente de ideias e de hábitos, que se vão completando. Em quase todos, romances ou conjuntos de contos, se apresentam episódios enredados por coincidências imprevisíveis, onde pequenos detalhes bem posicionados conferem grande magia à história conjunta.
Os temas vão surgindo de forma recorrente: misteriosas lojas de chá, bibliotecas diversas com livros peculiares, a relação escritor / leitor / livros, gatos e encontros com Deus ou o reconhecimento da perfeição da natureza. Este último bastante explorado no primeiro livro, The Fourth Circle – a perfeição matemática reflecte uma perfeição natural superior, alvo de preocupação em várias histórias que se vão centrando no círculo.

O tema de perfeição volta a ser central em Seven Touches of Music, colectânea que nos apresenta sete contos em que a música tem um papel fulcral, parecendo não só retratar a perfeição do Universo como ser a expressão do Criador, um músico experiente. Mas este conjunto é mais do que esta expressão de perfeição divina. Em quase todos os contos um momento mágico quebra a monotomia e transforma, temporária ou definitivamente, a realidade, consoante a personagem que assiste decide, ou não, ignorar o pequeno momento. Assim é a magia – suficientemente bem colocada para se assemelhar com a realidade e se confundir com o quotidiano.
Deus volta a ser figura central em Impossible Encounters num encontro directo, numa das histórias de encontros impossíveis em que personagens fictícias ganham corpo e batem à porta do escritor, e alienígenas deambulam em lojas de ficção científica. Novamente se explora a relação entre o autor e a sua obra, a exploração das personagens que será tão fulcral em O Grande Manuscrito, e que é a base de The Writer, The Book, The reader.

The Reader segue Miss Tamara em momentos distintos da sua vida, oito episódios peculiares que envolvem a actividade simultaneamente lúdica e mágica da leitura, em ocorrências surreais: ora desaparecem letras dos livros, ora aceita ler, em voz alta, um livro misterioso. Este fascínio por livros é visível ao longo da obra de Zoran Zivkovic e é algo que caracteriza uma das suas obras mais conhecidas: A Biblioteca, um conjunto de seis bibliotecas, cada uma mais fantástica, impossível e deliciosa que a anterior: virtual, particular, nocturna, infernal, mínima e requintada.
E é esta paixão pelo livro enquanto objecto físico e portal para novas experiências que tem sido também evidente nas últimas obras, sendo que em The Last Book somos levados a uma livraria onde se sucedem as mortes por folhear um livro misterioso que todos procuram, mas que só alguns infelizes encontram. Já em O Grande Manuscrito, centrado também nos livros, explora-se o papel sobrenatural de criador do próprio escritor.

Outra constante são as casas de chá. Uma parte significativa da história de The Last Book ou de O Grande Manuscrito decorre em casas de chá, sombrias e enigmáticas, que se revelam muito mais que simples estabelecimentos onde se bebem chávenas de chá, antes locais suspensos no tempo que se estabelecem como palco às reflexões e descobertas mais essenciais.
É também a casa de chá que é peça fundamental em 12 Collections & The Teashop, um conjunto de 12 contos em torno de colecções peculiares, desde fotografias que mostram sempre o mesmo cenário e o mesmo homem, a colecções de sonhos. Fragmentos físicos do nosso corpo, memórias ou fragmentos do nosso passado – tudo é catalogável e coleccionável. Mas é na casa de chá que todas estas histórias se unem, num romance entrelaçado em mistério. Palco singular que ocupa um papel essencial, a casa de chá deixa de ser o espaço calmante e unificador que conhecemos em O Grande Manuscrito, em que esta perspectiva é quebrada, uma forma de abalar os hábitos do leitor.

Outro dos elementos recorrentes é a memória. Se em 12 Collections and the teashop se coleccionam memórias, em Amarcord o autor apresenta-nos dez histórias em torno da mesma, desde criminosos sem memória que iniciarão uma nova vida, ao comercio de lembranças – episódios separados que se entrelaçam num final de tirar o fôlego.
E finalmente, os encontros impossíveis, título unificador para as algumas das várias colectâneas, mas também explorado em The Bridge, que reúne três encontros num elemento centralizador menos forte do que é usual. Um homem encontra-se a si próprio, uma idosa cruza-se com a vizinha falecida, e uma jovem reconhece o filho que ainda não nasceu. Em todos os casos as três personagens decidem-se a seguir as figuras com as quais se encontram, assistindo a estranhos e surreais episódios que relembram sonhos.
Entre livros, chá e pedaços de memória aguarda-se ansiosamente o próximo livro.