Do mesmo autor da série Sambre, a Ala dos Livros publicou, há quase um ano, este Menina Baudelaire. Claro que as expectativas estavam elevadas – Baudelaire é conhecido por ser um escritor irreverente, blasfemo e, até herege.

Baudelaire foi um poeta francês que marcou a literatura pela forma como abordou a literatura – na época, considerado escandaloso e profano, não só pela sua escrita, mas pela forma como vivia. Do seu lado encontrava-se Jeanne Duval, uma mulher peculiar para a época – nascida no Haiti, de ascêndia francesa e africana, era nomeada por Baudelaire de Vénus Negra.

Fonte de inspiração do poeta e amante, Jeanne é retratada como sendo uma mulher exótica e pouco dócil, estabelecendo com Baudelaire um relacionamento tempestuoso. Refiro retratada porque, na verdade, pouco se sabe de Jeanne, o que deu, ao autor, liberdade para a desenvolver. Tal como Baudelaire, Jeanne é apresentada como uma personagem irreverente, pouco tradicional e desafiadora.

A relação começa quase como inocente, o fascínio de Baudelaire pela pele escura de Jeanne que se vai desenvolvendo em obsessão possessiva, levando os dois num remoinho de amor, paixão, ciúme e conflito. Trata-se de um percurso catastrófico e destruidor – não só pelas constantes zangas, mas pelos amores partilhados que resultam em contaminação por sífilis.

Trata-se de uma relação desbalanceada, quer pelas diferentes origens, quer pelos diferentes objectivos, mas que vai sendo efectivada pelos hábitos boémios de ambos, Baudelaire e Jeanne. Entre o consumo de drogas como o ópio e a sífilis (e correspondentes medicamentos da época, láudano e mercúrio), vemos a corrupção das personagens, com a beleza inicial a ser substituída por caracterizações mais viscerais, mostrando sinais da degradação.

Para além do ciúme, da obsessão, e da degradação, com a progressão da história, a doença e o vício das drogas são outras fontes de discórdia que vão cunhar a história e o desenho. Os momentos mais íntimos do casal são retratados, com foco em práticas pouco tradicionais ou, até, desafiadores. Algumas parecem associadas a uma religiosidade mais negra ou demoníaca.

Outro aspecto curioso será o contraste entre as duas figuras femininas principais na vida de Baudelaire – a mãe que tudo sacrifica pelo filho e que é uma sombra constante na vida do artista, e Jeanne, independente e orgulhosa.

Entre diálogos directos, cartas e referências a poemas, o enredo é saltitante e pouco linear, incluindo percepções, diferentes perspectivas, deambulações artísticas, zangas e conflitos. Não é uma narrativa para ser percepcionada com uma leitura apenas lógica, pois a história transmite, através dos desenhos e da narrativa, a força dos sentimentos das personagens.

Menina Baudelaire não é uma leitura para todos. Contém sexualidade explícita bem como cenas profanas e viscerais – por vezes misturadas nos mesmos episódios. Mas é uma leitura emocionante, conflituosa e visualmente brutal.