Li o original de Cormac McCarthy há alguns anos e achei-o brutal. A história decorre num futuro apocalíptico, como tantas outras, em que, de alguma forma, a sociedade colapsa. A premissa não é nova, mas a perspectiva transforma uma ideia igual a tantas outras, em algo envolvente e chocante, ao se centrar num duo de sobreviventes, um homem e o seu filho.

Talvez por doença (assim parece indicar a narrativa) os poucos humanos que sobrevivem são obrigados a errar entre os restos de uma civilização caída, associando-se em grupos agressivos ou evitando estes mesmos grupos. Vários são obrigados a subsistir através do canibalismo, raptando, matando e consumindo outros seres humanos, por desespero. Se lermos outras narrativas apocalípticas, até aqui, nada de muito original.

Mas a história centra-se no duo, homem e filho, destacando-se pela perspectiva inocente e positiva da criança que, apesar da brutalidade daquele mundo, transparece bondade e optimismo, preferindo instigar boas acções ao invés de se defender, procurando o vislumbre de uma outra criança para brincar e se entreter.

A criança, não contaminada pela realidade, materializa toda a esperança perdida da humanidade, captando a nossa atenção e empatia. Mas claro que a realidade é dura para com o duo, fazendo com que a progressão da narrativa nos deixe de rastos. Sobretudo no final agridoce.

Nesta vertente, a banda desenhada adapta, com mestria, o romance, captando o ambiente inóspito e hostil, a ausência de esperança que rodeia a criança, bem como o confronto com o olhar inocente. Larcenet gere bem os silêncios, construindo a aura sinistra, arrepiante e chocante, onde nem tudo tem de ser dito para ser compreendido. Aliás, esta banda desenhada, enquanto adaptação, destaca-se mesmo pela ausência dos grandes textos originais, conseguindo reconstruir o mesmo ambiente sem eles.

O desenho, a preto e branco, encontra-se carregado de elementos relevantes, focando-se nos mais diversos detalhes que ajudam a transparecer a transformação pela qual o mundo passou. Não existe apenas uma ausência de humanos, mas os próprios animais parecem ter desaparecido. O desenho, nestes tons cinzas, não só ajuda na caracterização do mundo, como intensifica o ambiente.

E claro que é impossível não fazer alguma comparação com O Relatório de Brodeck, outro volume estrondoso de Manu Larcenet, que se afasta bastante do estilo demonstrado em outras obras como O Combate Quotidiano ou Os Cosmonautas do Futuro. Em ambos, A Estrada e O Relatório de Brodeck, as histórias decorrem em ambientes isolados e opressivos, destacando-se não só os desenhos a preto e branco, mas também os longos, e significativos silêncios.

Talvez por já conhecer a história de A Estrada, continuo a achar O Relatório de Brodeck superior em complexidade narrativa, ainda que A Estrada seja, sem dúvida, uma das leituras do ano – não só pela narrativa e perspectiva peculiar, mas sobretudo pela adaptação desenvolvida por Manu Larcenet.