Eis mais um lançamento fabuloso de banda desenhada, no mercado nacional, desta vez pela Ala dos Livros. Trata-se de uma adaptação de O Relatório de Brodeck de Philippe Claudel, obra vencedoras do Prix Goncourt des Lycéens e classificada como um clássico moderno.

A história

Um estranho foi assassinado numa terriola inóspita. O crime é perpetuado por quase todos os homens da vila. Brodeck ficou de fora. Esta exclusão é, claro, assustadora. Tão assustadora quanto ser um criminoso no meio de inocentes. Sobrevivente de um campo de concentração e escriba, Brodeck é encarregue de fazer o relatório sobre o ocorrido, mas este relatório leva-o a descobrir alguns dos segredos da vila.

Crítica

Brodeck vê-se forçado a escrever o relatório. Mas como ele próprio indica, vai fazê-lo da forma como sabe escrever, como um relato, na sua própria perspectiva. Desta forma, a história que nos é demostrada apresenta, também, momentos da própria personagem, interligando-a com os acontecimentos que acabam por determinar o episódio inicial de morte.

Brodeck é, tal como o estrangeiro viajante, uma pessoa que não se enquadra totalmente naquela vila. Apesar de já lá viver há várias décadas, a sua experiência nos campos de concentração está relacionada com essa diferença de várias formas e determina a forma como não é envolvido no assassinato.

Mas se Brodeck ficou marcado com a existência nos campos de concentração, a vila da qual se ausentou ficou marcada pela passagem e permanência dos soldados. Ainda que esta permanência tenha sido mais civilizada do que noutras vilas ou cidades, existiram episódios marcantes – episódios de pouca dignidade que terão mudado psicologicamente os habitantes, mas que, também, justificam a sua união num silêncio corrompido, receosos e odiosos de enfrentarem aquilo em que se tornaram.

E é aqui que a presença do estrangeiro se faz notada, ao lhes recordar as pessoas em que se tornaram. Neste caso, trata-se de um homem educado e digno que pretende explorar locais mais inóspitos. Esta dignidade vai, numa primeira fase, permitir que seja tolerado. Mas, é, também, esta diferença de postura (uma pessoa iluminado, uma espécie de anjo como é descrito), que o torna alvo de despeito por aqueles que se sentem inferiores na sua presença. Pior do que sentirem-se inferiores, é serem confrontados consigo mesmos.

Os habitantes da vila passam por momentos de transformação. Mas passaram-nos juntos. Brodeck não faz parte desta união silenciosa e passou por outros momentos marcantes. Para além de local de morte, o campo de concentração é, sobretudo, um local de quebra moral e psicológica dos prisioneiros, um local onde a dignidade morre e a desumanização atinge o seu auge.

Através do seu relato, sombrio, onde os silêncios têm um grande significado, Brodeck acaba por revelar várias destas vertentes, cruzando a história pessoal com as descobertas que vai fazendo dos momentos em que não se encontrou na vila – momentos estes que determinaram a sua exclusão do assassinato, e, simultaneamente, a indicação para escrever o relato. Através da escrita, Brodeck até poderia tornar-se cúmplice, mas o que encontra é o exacerbar de uma diferença cada vez mais perigosa.

Mesmo não tendo lido o original, considero que se trata de uma boa adaptação do original. Não existem verborreias, o desenho a preto e branco com jogo de sombras estabelece o ambiente sombrio e quase misterioso, o ritmo visual é apropriado à sucessão de acontecimentos. Entre a história sombria e a capacidade do desenho, é uma banda desenhada extraordinária!

Conclusão

O Relatório de Brodeck é, sem dúvida, um dos grandes lançamentos no mercado português. E sei que já o disse de outros livros, mas este ano está a destacar-se pelos lançamentos extraordinários. Não é, no entanto, uma leitura para qualquer pessoa.