Eis um dos mais recentes lançamentos na colecção 1001 Mundos de ficção científica. Pelos vistos trata-se de um primeiro livro de uma série, ainda que este volume tenha um final e possa ser lido isoladamente, sem necessidade de progressão. É uma leitura fluída e engraçada, com uma premissa de ficção científica, mas sem se debruçar sobre os detalhes mais avançados da ciência.

A história leva-nos a um futuro onde a humanidade já colonizou outros mundos, deixando a Terra devido à elevada densidade populacional e aos estragos feitos no meio ambiente. De expedição em expedição, existem vários mundos onde os humanos se fixaram, recorrendo a tecnologia de terraformação (leve, em comparação com outros livros com o mesmo conceito), e a fontes de energia com antimatéria.

Mickey candidatou-se a uma destas missões. Bem, na verdade foi mais uma candidatura forçada. Tendo feito elevadas apostas e devendo avultadas quantidades de dinheiro, optou por uma solução definitiva para um problema transitório. Mas Mickey não é cientista. Nem excepcional em nada de particularmente útil no contexto, antes um historiador que gosta de explorar informação que está publicamente disponível a todos.

Resta-lhe, pois, o lugar de trabalhador dispensável. Como dispensável, Mickey é o único membro da missão que tem um backup do seu cérebro, podendo reviver em novos corpos sempre que necessário. É, portanto, o escolhido para qualquer missão de elevado risco, desde exposição à radiação do espaço, à exposição da nova atmosfera.

A história leva-nos ao momento em que Mickey 7 deveria morrer. Tendo sofrido uma queda elevada, diz aos seus colegas que o deixem ser comido pelos alienígenas – sempre é melhor do que arriscarem as suas vidas findáveis. Mas, surpreendentemente, Mickey 7 vai sobreviver e retornar à colónia, encontrando na sua cama Mickey 8. Num local onde existe escassez de comida e de proteína, não denunciar a denúncia é considerado crime capital.

Mickey 7 apresenta vários elementos interessantes, mostrando como a humanidade, tendo deixado o planeta Terra, continua a possuir traços comuns à sociedade que conhecemos. Persistem egoísmos e quezílias, preconceitos, facções religiosas e critérios ilógicos. Não falta a namorada compreensiva, o chefe odioso ou o amigo duvidoso.

Em termos de dinâmica é um livro que flui, entre os conflitos internos (protagonizados pelas várias personagens referidas anteriormente) e os conflitos externos (proporcionados pelos alienígenas que comem rapidamente qualquer humano que com eles se cruze) que contribuem para a sucessão de episódios de acção e tensão ainda que não se trate de uma narrativa perfeita nessa componente.

Olhando para a sucessão de episódios, existem, por vezes, alguns detalhes menos coerentes. Mickey tem um intenso interesse em história, o que justifica a sua constante busca de informação sobre o passado, ainda que tal seja, supostamente, pouco valorizado naquela sociedade. É, assim, estranho ver outras personagens a conhecerem detalhes das civilizações antigas, e Mickey incapaz de os percepcionar devidamente.

Por outro lado, existe uma grande parte do tempo dedicado à gestão da comida (existem duas cópias de Mickey, mas as racções são geridas, e ambas devem dividir o que é possível), o que até pode ser compreensível no contexto, mas que não é propriamente resolvido, antes um problema que se alonga até ao final do livro.

O tema também serve para questionar, levemente, questões sobre identidade que circundam a constante clonagem de Mickey e a passagem de memória entre os diferentes clones. Principalmente quando somos apresentados a duas versões de Mickey que têm comportamentos e respostas diferentes. Estas questões estarão, também, relacionadas com o mostrar da vertente religiosa deste futuro, onde existem os natalistas, fundamentalistas que não acreditam que os clones sejam mesmo pessoas.

Mickey 7 é um livro em que é fácil entrar no mundo, começando com um momento de tensão que impulsiona a narrativa. A partir daqui a história flui razoavelmente, tendo alguns momentos de info dump que visam explicar algumas reacções e regras. Existem momentos divertidos e curiosos, bem como detalhes tecnologicamente interessantes, ainda que, na sua globalidade, também existam elementos mal explicados. É, portanto, uma leitura agradável e aconselhável para quem quer um livro de ficção científica mais leve e divertido.