
Rick Remender é o autor de Low, uma série visualmente fabulosa que começou de forma extraordinária, mas que teve os seus altos e baixos, deixando-me um sabor agridoce. É, também, o autor de A Righteous Thirst for Vengeance, uma série que li de uma tirada e adorei, entre outras. Este The Sacrificers era algo que já me tinha chamado a atenção, quer pelo visual, quer pelo conceito. E pelo menos este primeiro volume, adorei.
No mundo criado nesta série, os deuses são criaturas poderosas que também envelhecem, recordando um panteão de deuses gregos ou romanos, mas apresentando bastantes distinções em relação a estes. O Deus dos Deuses, o Sol terá tido uma filha com a Lua, uma criatura de aparência brilhante mas demasiado naive, que irá assistir, pela primeira vez, à cerimónia dos deuses.



Em paralelo, no mundo dos mortais, assistimos ao quotidiano de uma família em que o filho mais velho é ostracizado e deixado de lado, não partilhando a comida com os restantes e dormindo no estábulo. O motivo só o iremos saber mais tarde, quando é levado como tributo aos deuses. Este rapaz, Pigeon, não é o único a ser levado pelas autoridades. A ele juntam-se outros, num caminho que alguns acreditam levar ao inferno e outros ao paraíso. Efectivamente vão ser levados para um local espectacular, mas nem tudo o que parece é.
A série arranca com um bom trabalho de caracterização e de envolvimento pelas personagens, fazendo com que nos preocupemos com Pigeon. Tal não é tão verdade com outras personagens, um elemento que, a ser feito, teria levado a maior impacto de alguns episódios. Pigeon é, na prática, o sacrificado da sua família, numa espécie de conceito que recorda o The Ones that Run Away from Omelas, o pagamento para que este mundo se mantenha em paz.



Felizmente, no final do volume, a história evolui noutro sentido, quebrando as expectativas em ambas as linhas narrativas que alterna. A narrativa fica em suspenso numa reviravolta curiosa, o que me leva a querer ler rapidamente as próximas páginas – um cliffhanger agridoce que promete subverter a ordem natural daquele mundo.
Focando-nos na caracterização das restantes personagens, estas parecem ter posições extremadas. Os restantes jovens que foram capturados como tributo oscilam em origens. Existem os muito pobres que lutam por comida e apresentam uma visão da vida e do seu destino bastante deprimente. E existem os que foram criados num meio de abundância, acreditando ter um papel quase divino, como interlocutores das necessidades humanas perante os deuses.



O mundo em si é curioso. Apresenta elementos que ressoam outras mitologias e outras ficções, criando-se um sentimento de familiaridade apesar da estranheza dos elementos divergentes. As personagens têm aspecto de animais antropomorfizados enquanto os deuses são mais semelhantes a humanos, mas com alguns detalhes sobrenaturais. Já a sociedade dos comuns mortais parece ter um nível civilizacional medieval, sendo que a dos deuses parece ter alguma ciência mais avançada. Ainda assim, ultrapassando o sacrifício de uma criança por família, a sociedade parece viver em paz e harmonia. Mas nem todos aceitam calmamente o sacrifício a fazer.
Em termos de progressão, The Sacrificers é uma leitura dinâmica que usa a alternância entre duas personagens (principalmente) para apresentar apenas os momentos chave em termos narrativos, os mais movimentados ou os mais tensos. É uma leitura que consegue cativar a empatia e que nos leva a querer saber o que acontece a seguir, apesar de não ser perfeita. Acho que seria interessante ter outras perspectivas para além das duas personagens principais, mas tal iria dificultar o arranque narrativo.



Visualmente, este volume é brutal. A premissa permite apresentar paisagens terrestres extraordinárias, bem como cenários sobrenaturais quando se foca nos deuses. Também as personagens, com formas animais ou divinas , possibilitam a criação de detalhes fantásticos, de elevado contraste cromático.
Para quem tinha saudades, como eu, de ler uma história tipicamente Image, numa vertente anglosaxónica nítida, com grande foco narrativo e visual esplendoroso, este volume correspondeu às expectativas. Ainda que use vários elementos conhecidos de outras histórias, consegue agregá-los numa narrativa interessante e, até, surpreendente.