Eis outro livro da Asa que merecia uma capa melhorzita. A capa mole (que não é como ade outros volumes) não auspicia uma boa preservação do livro – e não corresponde à qualidade da narrativa que, a par com outros livros franco-belgas, se revela cativante, empática e imaginativa. Trata-se da adaptação para banda desenhada do livro de Cyril Massarotto por Grégory Panaccione, o mesmo desenhador de Un Océan d’Amour, que venceu o prémio Landerneau.

A história começa por nos apresentar um homem adulto, Samuel, que parece congelado na sua vida. Aqui passa mais um aniversário sozinho, ligando a uma ex-namorada que há muito desistiu dele, ligando-se a homens que considera poderem vir a ter mais futuro. Depois de uns copos a mais, acaba por fantasticamente telefonar a si próprio enquanto criança.

Este telefonema será apenas o primeiro de muitos, recordando dia-a-dia a infância, os sonhos que tinha, mas também os meses antes da morte da mãe, doente. Para além das recordações, Samuel sente sobretudo a desilusão do adulto em que se tornou, bastante diferente das aspirações de criança: um quotidiano rotinado centrado num emprego pouco emocionante, a escrita remetida para segundo plano, a namorada inexistente, os amigos raros.

Como justificarias, a ti próprio, enquanto criança, o adulto que te tornaste? Os sonhos que abandonaste? Os objectivos que não perseguiste? Como explicarias que te tornaste acomodado, até um pouco cínico? O confronto com ele mesmo será o suficiente para recordar o futuro que auspiciava, e desbloquear algumas interacções e reacções, arriscando um pouco mais e aproveitando algumas oportunidades.

A premissa não é inovadora, mas funciona bem – principalmente depois de se apresentar uma personagem caricata e miserável. Não é a única. Tal como noutras histórias franco-belgas mais recentes, as personagens apresentam particularidades que as distinguem e que resultam em ligeiros elementos cómicos. Estes balanceiam a depressão inicial de Samuel e permitem ao leitor criar empatia em algumas situações.

Tanto quanto as particularidades caricatas, outro aspecto de destaque é a expressividade dos desenhos, que permite a existência de várias páginas com o mínimo de texto (recordando ligeiramente o Un Océan d’Amour que não tem mesmo palavras). Os desenhos nem sempre apresentam grande detalhe, mas, para compensar, captam expressões, pensamentos e sentimentos que transmitem com eficácia ao leitor.

O resultado é uma história envolvente e agradável, com toques mirabolantes e suficientes introspecções (não demasiado profundas, e na dimensão da personagem). O equilíbrio entre o humor e o existencialismo resulta numa leitura ligeira e envolvente, mas também divertida e cativante. Não sendo a melhor leitura do ano é, sem dúvida, um livro excelente.