Existem várias narrativas que nos levam a cenários de fim do mundo e nos mostram o pior da humanidade. Claro que um dos exemplos mais clássicos é The Walking Dead. Existem, também, várias narrativas que nos mostram invasões alienígenas. Então, nesta combinação, onde é que A Bela casa do lago se destaca?

Bem-vindos ao Big Brother do fim do mundo. Enquanto todos os seres humanos se desfazem, um grupo escolhido de pessoas, amigos de um alienígena (sem o saberem até ao momento) é colocado numa casa perfeita que satisfaz todas as necessidades imediatas e onde qualquer objecto pode ser adquirido por encomenda. Mas, ainda que o cenário seja perfeito, como é que um grupo de seres humanos pode lidar com a morte de todos os entes queridos e restantes conhecidos?

Ainda que o cenário seja idílico, uma casa quase perfeita numa floresta perto de um lago, as condições não deixam de ser claustrofóbicas e atrofiantes. Enquanto alguns seres humanos se habituam rapidamente e tentam aproveitar ao máximo as condições, outros afogam-se em estados depressivos e conspirativos, procurando respostas entre as estranhas estátuas que se encontram na localização.

Com este volume estou a tornar-me uma fã de Tynion. Autor de obras como Something is Killing the Children, ou Department of truth, consegue pegar em temas explorados por outros autores e criar obras interessantes. Something is Killing the Children usa a premissa da crença no monstro para que esse monstro surja. Department of truth pega nas teorias da conspiração que ganham corpo com o maior nível de pessoas que acreditam nessa conspiração (sim, ambas as séries referidas parecem ter isto em comum).

Já esta nova leitura pega em premissas conhecidas para criar uma nova e curiosa abordagem. A história rodeia-se de mistérios e investigações, ao mesmo tempo que explora o terror e a manipulação psicológicas – os seres humanos que se encontram na casa têm acesso a vídeos dos que se estão a desfazer, e uma das estátuas permite ver os humanos nesse estado de degradação. Por outro lado, encontram-se fechados e limitados.

Apesar das circunstâncias especulativas, a narrativa vai-se centrando nas várias personagens, mostrando como se tornaram amigos de Walter, o rapaz que se revela um alienígena. Ainda que seja uma personagem carismática, vamos percebendo que as interacções com os vários membros do grupo não eram totalmente inocentes. Temos acesso a conversas e a diálogos que falam de apocalipses e eliminação da humanidade, bem como a consequências estranhas das interacções com Walter – serão as memórias que possuem reais? E até que ponto estarão realmente a viver nas circunstâncias que pensam viver?

Em paralelo, vamos também assistindo às interacções entre as personagens que estão fechadas na mesma localização, bem como às investigações que vão fazendo na casa e seus arredores, descobrindo cenários estranhos e perturbadores. Até que ponto serão livres e poderão tomar decisões? O que parecia ser um início de férias revela-se uma prisão, mas também uma salvação, ainda que possua limites – não só físicos, como de livre arbítrio, que as personagens vão descobrindo lentamente.

A narrativa é pausada, baseando-se sobretudo em apresentar retrospectivas, momentos passados que conferem pistas para o que se passa, bem como transcrições de conversas que são, também, indicações de que algo mais se passa.

A Bela Casa do Lago consegue ser uma leitura intrigante e misteriosa, ao pegar em premissas bastante comerciais, mas concedendo-lhes uma maior dimensão psicológica, com questionamentos existenciais, e situações eticamente complexas. É uma história tensa que vai revelando pequenos detalhes ao longo de várias transcrições, retrospectivas e interacções. E é uma das melhores leituras de banda desenhada de ficção científica dos últimos tempos.