Lido sem expectativas, foi um dos lançamentos recentes da Devir que mais me surpreendeu, revelando-se uma narrativa envolvente, mas também trágica.
A história acompanha Lubin, um jovem acrobata que depois de um acidente, em que bate com a cabeça, começa a perder o tempo – sempre que adormece perde dias inteiros. Lentamente, por conversas com a namorada e amigos, percebe que, na realidade, estará acordado nos dias que perde, mas para além de não se recordar, terá tido comportamentos pouco usuais.



Sentindo-se como se outra pessoa tivesse tomado conta do seu corpo, Lubin investiga, e percebe que a sua outra personalidade é bastante diferente. Para além de ter uma visão diferente do mundo, tem, também, objectivos díspares. Segue-se uma guerra de personalidades que o Lubin começa a perder gradualmente.
A história que se nos apresenta, de contornos fantásticos, começa por nos fazer criar envolvimento para com a personagem, apresentando-nos o Lupin original como alguém afável que se centra nas artes acrobáticas. É impossível, não sentirmos algum afastamento para com o novo Lupin, conhecido a partir de relatos de terceiros, que o retratam como frio e calculista e, neste seguimento, também nós, leitores, fazemos parte da guerra que ocorre entre as duas personalidades.



A perda de dias é preocupante, mas por detrás desta perda ocorre o afastamento da própria vida, com o Lupin original cada vez mais afastado daqueles de quem gosta, vendo-os cada vez mais velhos, quebrando laços familiares e amizades. Com o aumento da força do novo Lubin, os dias em que o original vive são cada vez mais espaçados, e o Lubin vai sendo arrancado da sua própria existência.
A narrativa explora a relação entre memória e identidade. Mas, também o conceito de valor em sociedade. As duas personalidades são bastante diferentes e dão importância a aspectos díspares da existência. O Lubin original apresenta uma personalidade mais romântica que dá valor às artes e às amizades, investindo na sua paixão e aproveitando o tempo junto daqueles que mais gosta. Já o novo Lubin que o substitui revela-se calculista, vendo o original como alguém sem valor para a sociedade, preferindo a rota da produção de dinheiro.



Estes dias que desaparecem é uma narrativa envolvente que nos faz sentir os desafios da personagem principal, sendo nesse sentido uma leitura simultaneamente trágica e nostálgica que explora os limites da mortalidade e da existência consciente.
