private eye

Se alguns livros perdem muito pouco quando lidos no formato digital (não estamos a falar de edições especiais, com ilustrações e efeitos no papel), o mesmo não se costuma aplicar à banda desenhada, onde as imagens ganham outra dimensão dependendo do tipo de papel e da impressão. Abri, no entanto, uma excepção para este volume. É que a publicação inicial já foi em formato digital, com disponibilização gratuita, pelos próprios autores, em várias línguas (até Português-BR).

O facto do autor ser Brian K. Vaughan (o autor de Saga) já era o suficiente para me convencer a pegar no livro, mas a premissa é mesmo o meu género de leitura. Num futuro pouco distante, 2076, a relação com a tecnologia foi mudada significativamente, após o rebentar da cloud. Todas as informações nela constantes foram reveladas – histórico de navegação, vídeos ou fotos pessoais. Como resultado, a Internet foi desligada, e as pessoas, para manterem a sua privacidade, passaram a andar mascaradas na rua.

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A sociedade actual já é demasiado alienada? Então imaginem uma em que todos andam de máscara, sem mostrar a própria cara e, consequentemente, expressões. As pessoas usam alcunhas como se fossem os seus próprios nomes, em conjugação com as máscaras para poderem criar múltiplas identidades em diferentes meios. Ainda mais estranho é o facto das investigações serem controladas por jornalistas.

A personagem principal é um jornalista sem licença, uma espécie de investigador privado que, a troco de dinheiro, investiga o que lhe encomendarem. Mas desta vez não se trata de uma mulher em busca de provas da infidelidade do marido, antes uma rapariga que pretende saber o que se esconde por detrás da morte da irmã.

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O enredo tem, para além de várias teorias de conspiração, investigadores ilegais, terroristas que pretendem ligar a internet, jovens destemidas e multinacionais de tentáculos mafiosos. Tudo num visual futurista, de cores garridas – um mundo deprimente em ácidos que usa a alienação para investir na multipersonalidade e não nos relacionamentos.

A premissa em si é uma boa reviravolta do lema “Quem não deve, não teme”. Na realidade, todas as informações, por mais inocentes que sejam, podem ser usadas de forma errada por alguém mal intencionado, e a libertação pública de todo o histórico de alguém, revelou isso mesmo – todos têm alguma coisa a esconder. O despertar desse medo levou ao normal aproveitamento por parte das autoridades – o que abdicará em troca de uma nova sensação de segurança?

Os elementos cómicos existem, mas são raros, sob a forma de um velhote com alguns problemas mentais, que ainda recorda a internet e os equipamentos dessa época. A história é pesada com detalhes deprimentes. Talvez pela densidade de conceitos e de ideias que se encontram encobertas, não é uma banda desenhada que se leia rapidamente, mas é uma excelente leitura.