dark matter

É comum nesta altura do ano aproveitar para ver séries de uma assentada. Este ano peguei na primeira temporada da Dark Matter. Série de ficção científica típica, com navezinhas no espaço, tem uma premissa simples que, por falhas de concretização, não está a ultrapassar a classificação de suficiente.

O contexto é comum a várias outras séries do estilo. Os seres humanos colonizaram dezenas de planetas e as corporações parecem ter grande poder em vários mundos, guerreando discretamente por maior poderio económico. Alguns mundos servem como bases comerciais enquanto outros parecem servir apenas propósitos laboratoriais – uma interpretação de planeta demasiado simplista.

É neste contexto que seis pessoas acordam, sem memórias, a bordo de uma nave em ruptura técnica. Rapidamente têm de agir e intervir nos sistemas para não sufocar. Ultrapassada esta crise, enfrentam-se. Sem recordações, desconfiam uns dos outros – até porque é fácil perceber que um dos seis terá sido o causador da perda das memórias. Sem nomes, começam a referir-se pela ordem pela qual acordaram: Um, Dois, etc.

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A acompanhá-los encontram, também, uma andróide que cuida dos sistemas da nave e que possui uma personalidade peculiar. Como qualquer elemento de inteligência artificial não capta indirectas ou trocadilhos, criando os usuais momentos cómicos – um cliché que funciona no limite e vai criando alguma empatia pela personagem.

É com a ajuda desta andróide que conseguem descobrir quem eram antes da perda de memória. Pelo menos alguns. Dos seis elementos humanos, cinco são famosos contrabandistas. O sexto, uma adolescente, é uma tripulante clandestina que cedo se percebe conter, inconscientemente, as memórias de todos os elementos, sem que perceba a quem pertencem e sem as conseguir recordar de forma controlada.

Pela própria natureza do negócio em que se encontram, não é de estranhar que comecem a receber propostas para arriscadas missões que desafiam a moralidade destes seres humanos que, agora sem memória, não têm exactamente um motivo consciente para permanecer na clandestinidade. Algumas traições e armadilhas vão diminuir esta resistência em aceitar as missões, e, consequentemente, dividir o grupo – até porque, sem memórias, existem várias questões por responder sobre lealdades e relacionamentos dentro do grupo. Questões são agravadas cada vez que descobrem novas informações descontextualizadas das suas vidas passadas.

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Com esta premissa até se poderia desenvolver uma boa série. O que está a falhar então? Muita coisa. A série, até agora, tem sido pouco mais do que uma exploração das relações conflituosas dos seis elementos. Apesar de aceitarem algumas missões, se não contarmos com os vídeos que receberam, as interacções com outras personagens rareiam e são unidimensionais. Principalmente nos primeiros episódios. Ainda, as interacções entre as personagens principais são insuficientes, tendo evoluído pouco após uma temporada inteira – é que para que a revelação de uma traição anterior tenha impacto, tem de existir algo para além de desconfiança.

Mas não são só as interacções que deixam muito a desejar. Os cenários escasseiam. Quase toda a acção decorre no interior da nave, e quase sempre envolve a paralisação da andróide, electrocutada. Já perdi a conta das vezes em que vi a boneca no chão. E os dados da nave? São problema constante e recorrente. Já compravam uma nova.

Então e o mundo onde decorre a história? A história imperial é revelada, mas demasiado lentamente. Depois de incidir principalmente sobre as interacções e as avarias na nave, percebemos que existem corporações enormes que tentam manter a imagem, utilizando equipas de mercenários para os projectos mais perigosos ou ilegais. Percebemos que existem terroristas que lutam contra o Império e percebemos que, nalgum dos mundos, o herdeiro do trono desapareceu depois de matar o pai.

Mas a série não possui só pontos negativos. Apesar da bipolaridade e inconsistência revelada por alguns dos elementos, metade são personagens interessantes com potencial para algo mais. Por outro lado, ainda que o início tenha sido lento, foram lançadas as sementes para três linhas narrativas que se podem tornar interessantes – mas que para serem desenvolvidas precisam de um aumento no elenco.

Do ponto de vista tecnológico temos seres humanos criados artificialmente com capacidades aumentadas, andróides com personalidade e clones que permitem viajar entre mundos sem que o corpo original saía do local. São pelo menos três componentes tecnológicas com grande potencial para histórias interessantes que, até agora, não têm sido aproveitadas.