Enquanto espero pelos próximos livros de fantasia do autor (todos formidáveis até ao momento) resolvei pegar numa temática algo diferente – uma história de ficção científica que decorre num futuro bastante próximo e que parte do pressuposto que o actual medo instigou à legalização de tiroteios organizados e alvo de programa televisivo.

The heart of the matter was that from the beginning, America had always been a nation of fear. Fear of the monarchy. Fear of the elites. Fear of losing your property, to the government or invasion. A fear that, though you had worked damn hard, some dumb thug or smug city prick would either find a way to steal it or use the law to steal it.

Usando o medo no qual os Estados Unidos da América se fundaram, vários locais públicos são levados a indicar a quem os frequenta que, a qualquer momento, pode ocorrer um tiroteio. Legal. Organizado por um programa televisivo. E que dá grandes prémios aos atiradores seleccionados que consigam sobreviver, ou a quem é apanhado na confusão e consegue matar os atiradores. A ideia é de que a população se deve manter sempre vigilante, e transportar consigo, sempre, uma arma.

Quem lucra com isto? Por um lado, quem produz armas. Por outro, o programa televisivo que, com grandes audiências, vende publicidade a preços elevados. Os tiroteios passam a dar-se em condições mais controladas, sendo seleccionados elementos que denotem características de loucura que os podem levar a tal acto. Os espaços em que decorrem são barrados e qualquer pessoa que lá se encontre é impedida de escapar.

É uma história dura. Apesar de não pertencer, à partida, ao género do terror, torna-se terror pela forma como nos mostra a manipulação da audiência, e a instigação do medo à população do que pode acontecer a qualquer momento. Através do canal televisivo todos seguem a chacina, alimentando esperanças de que, se lá estivessem, rapidamente despachariam o atirador.

Ainda que os tiroteios sejam reais, bem como as mortes, muito do que ocorre é manipulado pelo programa televisivo. A hora do tiroteio é determinada pela audiência que se encontra ligada ao televisor. A aparência dos apresentadores do programa é aperfeiçoada para corresponder ao ideal para uma determinada população. As armas dos atiradores são escolhidas pelos próprios mediante um arsenal do programa. Mas não só. No decorrer do próprio programa as feições das vítimas são alteradas para parecerem menos ou mais estrangeiros, os atiradores são aliciados para determinados locais, e é usada uma inteligência artificial que dá pequenos toques que garantem que quem está a ver o programa é incapaz de parar de o ver.

Vigilance fala de uma forma de escape de violência, legalizando-a e alterando-a para proveito próprio. Os tiroteios passam a ser algo usado para proveito próprio, com toda uma indústria que os alimenta e produz, utilizando a linha ténue entre o fascínio pela violência e a instigação do medo. Intercalando os cenários mais impensáveis de violência alienada, o autor tece algumas considerações interessantes sobre a sociedade que seria capaz de produzir tal aberração, mostrando como o medo é usado para temer não só o outro (que vem para o nosso país para nos roubar) mas para temer, até, o vizinho do lado. Reina a desconfiança nesta sociedade onde até as diferenças geracionais, e o sentimento de culpa pela poluição e alterações climáticas, podem ser usadas para sentir fascínio pelos atiradores mais jovens, viris e capazes de empunhar uma arma:

“And that was what had happened – each time the youngster generations had said “this is hurting us” the elders had cried, “you dumb, ungrateful kids! You think that’s hurting you? We’ll just do it twice as much, then!”

Acima de toda a violência, reina um sentido de alienação. As vítimas dos tiroteios decerto não poderiam ser o espectador do programa – que decerto estará sempre atento e preparado, de arma em punho para defender a sua família de uma possível ocorrência.