Depois de ter lido O Invisível, A Sombra e o seu Reflexo de António Bizarro, peguei neste O Longo Caminho de Regresso. À semelhança do primeiro trata-se de um livro composto por várias histórias mais pequenas que, neste caso, se vão centrando em demónios interiores e bem pessoais de cada personagem.

Na primeira história, O Complexo de Siobhan, um homem jovem é culpado de ter assassinato e canibalismo de várias jovens raparigas. As causas para tal crime são desconhecidas. Com uma história familiar simples, e uma infância feliz, nada parece ter provocado estes episódios – nada, a não ser um pequeno detalhe, muito bem escondido.

Em As Luzes Negras da Cidade um polícia perde a arma e a consciência, no seguimento de uma perseguição. Este acontecimento leva-o a procurar apoio psicológico e a descobrir um traumático evento a que terá assistido na infância. A par com este evento, descreve, também, um rapto por extraterrestres, o que explicaria a perda de consciência. Mas será este rapto verídico, ou uma sugestão plantada pelo psicólogo?

Akasha é uma breve dissertação, o excerto de um possível artigo científico em que se cruzam os conceitos de imortalidade, genética, epigenética e memória colectiva. A este pequeno texto segue-se Ivan, O terrível, um texto que apresenta o bullying numa escola e a forma engenhosa como o bom estudante consegue dar a volta à situação.

Estrela da manhã é outro texto curto – um texto iniciático de tom nublado (talvez, até, de pesadelo); que antecede o texto que dá título ao volume. O Longo Caminho de Regresso apresenta um homem que regressa, após largos anos, a casa. O que o move não serão saudades, mas questões que o inquietam e que, simultaneamente, o levam a ser mais verbalmente agressivo do que pretende no nosso primeiro encontro com a personagem.

Johanna e os demónios centra-se numa rapariga possuída por um demónio. Ou assim acreditam os familiares que correm a solicitar a ajuda de uma bruxa. Seguem-se os rituais de exorcismo violento que deixam a jovem cada vez mais fraca, mas também, cada vez mais demente. Existirá espaço na sociedade actual para estes episódios? Onde cai a crença das curas e das mezinhas populares, e que resposta dá a ciência actual para contrapor estas práticas?

Em A Comédia Humana, o autor volta ao estilo muito curto, com a apresentação de uma curta, e irónica existência. Um texto que, de alguma forma, se contrapõe a Ruínas Futuras. Também neste texto a personagem irá revelar problemas psicológicos. Depois de estar vários anos em coma, Christopher revela o dom da premonição, acabando por ajudar a polícia a apanhar um assassino em série.

O livro fecha com Ergástulo. Neste última história um homem é raptado e mantido em cativeiro. Mas a sua reacção é menos desesperada do que deveria. É que este homem sabe bem porque está preso numa cave e acaba por escrever uma longa confissão.

A cada história, as personagens vão enfrentando os seus demónios interiores, sob diversas formas. Se, num dos casos, a personagem apresenta sintomas de uma possessão, nas restantes as personagens são atormentadas pelo passado e acabam por encontrar respostas na sua infância. Mas, ao contrário do esperado, a descoberta não traz a lucidez e a calma pretendidas.

Pode-se dizer que as personagens têm problemas psicológicos. Alguns mais graves que resultam em distúrbios de consequências pesadas, outros que os levam a cortar a ligação com a sociedade e a tornarem-se sem abrigo. Nos casos mais leves, um episódio infantil pode explicar a falta de ambição. Noutros, pode levar ao assassinato.

A maioria das histórias é realista, debruçando-se em temas relacionais e psicológicos. Nalgumas histórias os elementos de ficção especulativa não são totalmente afirmados, deixando o leitor escolher entre duas justificações, uma mais real e lógica, e outra mais fantasiosa. Ainda assim, diria que pelo menos uma das histórias pode considerar-se de ficção especulativa, a tender mais para a ficção científica.

À semelhança de O Invisível, a Sombra e o seu Reflexo, O Longo Caminho de Regresso é composto por alguns (poucos) textos muito curtos que parecem exercícios de escrita, e textos mais longos que apresentam uma história em torno de uma personagem e dos seus problemas.

A maioria das histórias revelam uma competente capacidade narrativa com resultados coerentes: As histórias apresentam princípio, meio e fim, com uma sequência lógica e sem deambulações filosóficas, tornando o livro numa leitura agradável, leve e interessante.