
A série Descender foi das primeiras coisas que li de Jeff Lemire e logo me captou. Por um lado centrava-se num robot de aspecto juvenil recordando o filme A. I., uma espécie de Pinóquio moderno. Por outro, apresentava uma revolta das máquinas, remetendo-nos para outros clássicos do género da ficção científica. O cruzamento de ambas as premissas era ainda embrulhado numa empatia singular, fruto das capacidades narrativas de Jeff Lemire – capacidades estas que distinguem várias outras das suas séries, recordando-me, nesta vertente, um outro autor bastante conhecido, Neil Gaiman. É que, por mais banal que seja a personagem principal, uma meia dúzia de detalhes bem colocados e um episódio inicial bem caracterizado leva o leitor a sentir uma ligação curiosa para com as personagens – quantas vezes não me apercebi desta característica nas histórias de Neil Gaiman e também nas de Jeff Lemire?
Para além desta capacidade de nos fazer interessar pelas personagens, Descender destaca-se ainda pelo visual peculiar (que não agrada a todos) em que os desenhos apresentam cores de aguarelas e mais ou menos detalhe consoante os momentos; bem como pelo desenvolvimento de várias linhas narrativas que se vão cruzando para construir uma história mais complexa e envolvente. Não é, assim, de estranhar que, finda Descender, me interessei nesta segunda série, passada no mesmo Universo, alguns anos depois. Aqui encontrei alguns elementos comuns, mas também outros muito diferentes. Este terceiro volume pareceu-me dos mais fracos e questiono-me se o autor sabe o caminho que pretende seguir aqui.
A história
A filha de Andy deambula pela galáxia, com a ajuda de duas outras personagens conhecidas, em busca de porto seguro, fora das influências do novo império mágico que agora comanda o Universo. Esta exploração levará as personagens por novos mundos, de peculiares características. Paralelamente seguimos outras personagens que se reencontram de forma pouco casual.
A narrativa
Descender é, sobretudo, uma narrativa futurista, carregada de tecnologia. Apesar da descrença nos robots e na inteligência artificial, os humanos conduzem naves espaciais e apresentam uma sociedade tecnologicamente avançada. Apesar de toda a tecnologia, continuam a existir mundos pobres ou de actividades mais duras, e de comunidades quase rurais, contrastando com as elevadas capacidades dos seres humanos.
Este volume é, para mim, um dos mais fracos da série (Descender + Ascender) até agora. Existem encontros que parecem demasiado forçados se considerarmos que o Universo é um espaço grande e que não são, até agora, explicados por nenhum elemento lógico. Existem, também, acontecimentos que decorrem na altura certa.
Uma particularidade que costuma existir nas narrativas de Jeff Lemire é a dureza da vida, ou seja, algumas personagens morrem, mas contribuem para a história e para o crescimento de personagens. Este livro parece ser a antítese disso, deixando cair um pouco a qualidade da série.
Conclusão
Apesar de ter gostado muito de Descender e de estar a achar a leitura de Ascender agradável, este volume conseguiu irritar-me com algumas decisões narrativas demasiado mirabolantes e logicamente injustificáveis. Sim, existem algumas decisões pouco lógicos noutros livros de Lemire, mas normalmente existe espaço para as tornar épicas ou envoltas numa espécie de magia que as torna épicas, quase mitológicas. Tal não aconteceu aqui, pelo que vou continuar com a série, mas senti-me desapontada com este volume.