
Miguel Peres tem obras muito distintas em tom e em estilo. De forma sucinta podemos confrontar duas obras, Random e Cemitério dos Sonhos, sendo a primeira uma obra que respira violência e impaciência, e a segunda uma obra mais sonhadora que confronta a concretização dos sonhos com a dura realidade de trabalho exaustivo. O Pescador de Memórias tem, à primeira vista, um visual mais alinhado com esta segunda obra (Cemitério dos sonhos).



A história
Um homem está preso numa ilha deserta – uma ilha que o afasta de tudo e de todos, uma ilha que parece resumir a sua existência. Este homem não se recorda de nada mais, ainda que existam pequenos detalhes na ilha que pareçam indicar pintas de uma outra existência. Um dia o homem é puxado de volta a passar alguns bons momentos com a família.



Crítica
O Pescador de Memórias é uma obra que peca, a meu ver, por ser demasiado curta. Mesmo assim, segundo o que percebi em conversa com o autor, esta edição foi já alongada por sugestão do editor. Gostaria, no entanto, de ter visto esta premissa explorada de forma ainda mais longa, demonstrando mais a dualidade das duas existências da personagem principal – por um lado isolado, por outro capaz de interagir com os seus familiares.
A história não é, portanto, alegre e feliz. Apesar do visual sonhador, ligeiramente fantástico até, a realidade sobre a qual se debruça é dura e leva-nos à introspecção, mostrando como a velhice pode trazer a ausência da memória e, consequentemente, a confusão mental e o afastamento de quem se gosta.
Da mesma forma que a narrativa se opõe entre as duas existências, também o visual o faz, mas de forma contrária. Nos episódios em que se representa a personagem principal na ilha, existe uma explosão de cores e de formas que torna as páginas mais luxuosas e fantásticas. Já os episódios em que a memória retorna e a confusão mental se afasta, os desenhos são mais simples e menos coloridos, mas a história acaba por se focar nos relacionamentos familiares.

Conclusão
O Pescador de Memórias apresenta uma história extraordinária por Miguel Peres que tem, como principal defeito, ser curta. É uma sequência que leva à introspecção ao nos confrontar com a dura realidade da velhice com a perda de memória, destacando-se quer a nível narrativo, quer a nível visual. O resultado encontra-se entre as melhores leituras de autoria nacional.