Depois de um volume de melhores contos de Junji Ito (Best of Best) a editora lança este primeiro volume de Tomie do mesmo autor. A(s) história(s) foram adaptadas várias vezes para cinema, destacando-se a adaptação de 2011 por Noboru Iguchi.

O volume começa por nos apresentar a morte de uma rapariga, pela perspectiva dos colegas. Lentamente, percebemos que o episódio é bastante mais do que um assassinato e de que a morte envolve um professor e os respectivos colegas. Mas Tomie, a rapariga assassinada, não fica morta, regressando para fascinar e assombrar, em episódios sucessivamente mais mirabolantes e rocambolescos. Os rapazes – fascinados com a sua beleza – têm tendência para a seguir cegamente. Pelo menos até ao momento em que decidem esfaqueá-la e cortá-la aos pedaços.

Após algumas iteracções do modus operandi de Tomie iremos conseguir antecipar a resolução de cada episódio. Mas mesmo assim, cada parte terá um desenvolvimento próprio, com elementos cada vez mais sombrios e tenebrosos, destacando as particularidades sobrenaturais de Tomie. Todos os episódios parecem ressoar o primeiro, acrescentando variantes e complexidade.

Tomie, em si, é um enigma. Por um lado, começa como uma simples colegial, alvo das intenções de um professor que, obcecado, a esquarteja. Prossegue como figura demonizada, uma personagem feminina simultaneamente reverenciada pela sua beleza e odiada pelas suas atitudes egoístas e narcisistas. Esta percepção origina obsessão, sobretudo pela componente masculina, que, não sabendo lidar com tal sentimento, a esquarteja.

O próprio autor parece obcecado pelo conceito e pela personagem, repetindo-o nas várias variantes. Algumas mais próximas da história original, outras numa vertente mais monstruosa, onde Tomie demonstra capacidades sobrenaturais, e intenções maléficas. A rapariga é, gradualmente, cada vez mais um monstro, uma entidade mais afastada do seu lado humano que parece agir sem lógica concreta, mas com o objectivo de se propagar.

A percepção que se desenvolve de Tomie é peculiar. Por um lado, apresenta uma personagem feminina que, sendo vítima de esquartejamento, é a provocadora da sua situação (sendo que são os homens, incapazes de se controlar que se transformam em vítimas). Por outro, a figura assume a sua componente sobrenatural e demoníaca.

Tomie é bela, fascinante e provocadora. E o contexto onde é simultaneamente vítima e combustível para a violência é desconfortável. Feliz, ou infelizmente, não é a única personagem feminina. As restantes são menos fascinantes, mais humildes e amistosas, mais inseguras e, consequentemente, mais aceitáveis. Assumem naturalmente um papel mais tradicional, mas nem por isso estarão a salvo.

Tomie é sobrenatural – insuportavelmente bela e originando obsessão. A sua beleza exterior influencia e impulsiona comportamentos. Mas é, sobretudo, uma capa para algo mais – algo monstruoso e degradado que poucos conseguirão percepcionar.

Este volume apresenta, portanto, várias histórias em torno de uma mesma figura, algumas mais relacionadas do que outras. Alguns dos contos tomam contornos mundanos de terror humano, outros apresentam detalhes e desenvolvimentos sobrenaturais, com elementos monstruosos e arrepiantes. O conjunto vai-se tornar ligeiramente repetitivo no conceito, mas consegue ir apresentando reviravoltas curiosas e surpreendentes.