
Já a fechar o ano, a Devir lançou esta colecção de contos com as melhores histórias de Junji Ito. Trata-se de um conceituado autor de histórias de horror e este volume reunirá dez histórias lançadas entre 1997 e 2019. A expectativa era, claro, grande. E posso dizer, desde já, que cumpriu.
Cada história apresenta uma situação macabra diferente, entre obsessões doentias, psicopatas originais e fenómenos sobrenaturais curiosos. O volume abre com Biliões Solitários, uma história centrada num jovem isolado que sofreu o episódio traumático de encontrar vários corpos nus e cosidos uns aos outros. Anos depois reencontrará os colegas de secundário e o pesadelo volta – várias pessoas desaparecem, sendo que os seus corpos são sempre encontrados nesta disposição – nus e cosidos uns aos outros, em configurações semi-artísticas.



Segue-se o Homem Cadeira, adaptado a partir de um conto de Ranpo Edogawa. Trata-se de um conto desconfortável em que uma jovem escritora deambula numa zona rural, encontrando uma marcenaria na qual decide encomendar uma cadeira. Por sua vez, o dono da loja conta-lhe a macabra história de uma outra escritora que teria uma cadeira muito confortável – uma cadeira que a terá inspirado a tornar-se uma escritora de sucesso.
Em Vénus Invisível, um grupo de homens junta-se para falar de fenómenos alienígenas. Bem, um grupo de homens e uma jovem, filha do fundador do grupo. Sendo uma belíssima jovem, torna-se a obsessão de vários dos membros do clube. Mas eis que, um a um, deixam de a conseguir ver ao perto. Ouvem-na sem dificuldade, mas sempre que esta se aproxima, parece tornar-se transparente. Tal não acontece com todos, apenas com aqueles que, sucessivamente, se vão tornando obcecados pela jovem.
A Mulher Lambedora parece ser uma história mais interligada aos tradicionais contos japoneses, ou pelo menos recorda algumas histórias sobre monstros. Neste caso, trata-se de uma mulher de língua imensa que lambe transeuntes isolados. Se este facto pode parecer apenas estranho, vira facilmente terror quando as suas vítimas aparecem mortas, como que envenenadas.



Em Mestre Kazo Umezz e Eu o autor fala da sua relação com um dos mestres do horror japonês que terá inspirado a sua carreira. Falta, também, de uma potencial colaboração com o trabalho do mestre e do resultado. Não sendo um conto propriamente de horror, é mais uma homenagem em tom de confissão.
Um Outro Amor neste Mundo é outra adaptação de um conto de Ranpo Edogawa, pseudónimo de Taro Hiral, que, inspirado em Edgar Allan Poe, terá estabelecido as bases da literatura japonesa de ficção-mistério (segundo notas disponíveis dentro do livro sobre o autor). É, sobretudo, um conto estranho, sobre obsessões e perda de ligação com a realidade. Também focado numa obsessão amorosa encontramos Como o amor chegou ao coração do professor Kirida, uma história inspirada na obra How Love Come to Professor Guildea de Robert Hichens.
Segue-se O Mistério da falha de Amigara, um conto com detalhes misteriosos, onde uma série de falhas numa montanha se assemelham a silhuetas humanas. Com a visualização destas falhas na televisão, várias dezenas de pessoas se decidem a explorar estas falhas, descobrindo que algumas parecem ser a reprodução perfeita da sua silhueta.



O volume termina com dois contos curiosos. Num deles, A tragédia do pilar principal, muito curto, um homem fica preso por baixo do pilar da casa. No outro, O Filho Póstumo, uma criança nasce de uma mulher falecida, sendo descoberto no seu túmulo um bebé aparentemente saudável. E este não vai ser o detalhe mais escabroso da história.
Ao longo deste volume são-nos apresentadas histórias de horror muito variadas. Algumas usam objectos mundanos e levam-nos a olhá-los de forma diferente, enquanto outros usam fenómenos sobrenaturais para se desenvolverem. Existem, também, aqueles em que o fenómeno sobrenatural afinal tem uma explicação científica, e os outros que são inquietantes nas possibilidades que os suportam.
Esta é, sem dúvida, uma das melhores leituras do ano! De destacar que a edição deste volume também está muito boa, com uma contracapa colorida que contrasta com a capa preta de relevo preto. Ao longo do volume encontramos páginas desdobráveis com alguns dos desenhos, e páginas a cores que contrastam com a maioria das histórias a preto e branco.