Depois de muito elogiado na imprensa e blogosfera internacional (ocupando lugar de destaque em várias listas de melhores do ano) este foi um dos lançamentos mais esperados de 2023, que, entretanto, se atrasou para 2024. A edição portuguesa chegou com a marca Relógio d’água.

A história leva-nos ao Canadá, onde a autora relata, na sua perspectiva a situação que a leva a ir trabalhar nas areias petrolíferas em Alberta, e a sua experiência neste contexto. Sobrecarregada com as dívidas estudantis, a perspectiva de trabalhar, durante algum tempo em Alberta não parece muito má, quando percebe que poderá pagar os empréstimos e ter um verdadeiro começo de vida.

A realidade que encontra é um pouco mais dura do que o esperado. Não só porque a localização é inóspita, mas porque o número de mulheres se conta pelos dedos num mar de homens. E ainda que existam, em teoria, mecanismos para garantir o bem estar, a verdade é que a proporção se torna incómoda – mais do que incómoda, cria um padrão de abuso normalizado.

Começando pelas circunstâncias, o conceito de carregar avultadas dívidas associadas aos estudos parece um conceito distante e alienígena. Se, os momentos iniciais na carreira de um jovem já são difíceis, a perspectiva de carregar uma dívida com elevados juros que dificilmente é paga, leva-me a questionar se o investimento vale mesmo a pena em todos os casos.

Mas ultrapassando esta questão tangencial que, na prática, é o que provoca o cenário em que a autora se encontra, parece normal que, nestas circunstâncias, se procure uma forma rápida de pagar estes valores. Mais do que isso, o trabalho bem remunerado nas areias petrolíferas parece ser uma saída razoável também para aqueles sem qualificações que, noutros locais, não conseguiriam sustentar as suas famílias. Mas esta saída é, também uma prisão, com o afastamento dos homens das suas casas e de presenças femininas.

O afastamento notório da civilização, bem como o desequilíbrio entre homens e mulheres, transforma a realidade em que se encontram. As poucas mulheres veem-se rapidamente alvo de excessiva atenção, indesejada, constante. Por vezes, cordial, noutras, abusiva, mas sempre proporcionando momentos de desconforto. Junte-se a este conjunto o consumo (mesmo que ocasional) de álcool e temos uma mistura explosiva.

Em adição às circunstâncias tensas, adicionam-se os problemas mentais provocados pelo isolamento e pela dedicação ao trabalho, com acidentes que podem matar ou incapacitar, mas sobre os quais se fala apenas de forma superficial, cumprindo as normas de segurança, sem aprofundar nas consequências psicológicas. E já se sabe, homem que é homem, num meio predominantemente masculino, não admite ter problemas.

O relato, muito pessoal, decorre sem generalizações, com tacto, demonstrando a realidade da autora. Não se generalizam comportamentos, mas destaca-se que, na realidade, bastam alguns comportamentos abusivos constantes dos mesmos, para que o ambiente se torne pouco seguro. O resultado é um alerta para uma realidade que decorre com impunidade, numa suposta normalidade medíocre onde tentar fazer melhor não é uma preocupação, nem das empresas, nem da população masculina no geral.

Neste contexto, o título é, no mínimo curioso, referindo-se a um incidente com patos nas areias petrolíferas, em que vários terão morrido presos nas lamas. Tal como os patos, a autora parece estar presa numa situação suja e desagradável. Felizmente, a situação vai ter uma resolução mais positiva para a autora.

Patos é um relato muito pessoal que consegue manter-se na linha ténue que separa o alerta para uma situação, e um grito de revolta. A narrativa raramente assume um tom mais acusatório, ainda que apresente as causas dos problemas, e demonstre uma tentativa mais corporativa de consciencialização. Assumindo, por vezes, um tom mais íntimo e necessário, a forma como o relato se dispõe permite que tiremos as nossas próprias conclusões de um ambiente de trabalho notoriamente sexista e, no mínimo, vergonhoso.