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Apesar de sobejamente premiado, existem poucas obras publicadas em português do autor mexicano e as que existem tem um perfil pouco visível. O que me levou a pegar neste volume? Uma promoção de 40% na Bertrand e tempo para me sentar a ler as primeiras páginas onde apreciei o estilo simples mas expressivo da primeira história.

O volume de seis histórias abre com Velha Moralidade, um conto de duas partes, caracterizado inicialmente pela grande movimentação que rodeia o rapaz, personagem principal. Vivendo com o avô numa quinta, trabalha no campo apreciando as cores e os cheiros do dia-a-dia, assim como os elementos simples da vida.

A vida com o avô é, no entanto, bastante criticada, quer pelas tias, quer pelos padres que o conhecem. Se por um lado condenam a ignorância do rapaz que nunca foi à escola, benzem-se à vista da jovem que dorme com o avô, imaginando cenas decadentes de pecado infernal. Conseguem assim colocar o rapaz a cargo de uma tia solteirona, mas o que espera o rapaz é uma complexa e confusa (i)moralidade.

Conto transparente na sua crítica social às beatas simbolicamente carregadas de mofo na postura perante o que é o correcto, apresenta a visão do rapaz que faz contrastar a vivacidade de uma vida mais liberta e movimentada com os interesses pouco assumidos de uma sociedade educadamente hipócrita.

Em As Duas Elenas uma jovem recém casada revela-se progressista para além de qualquer barreira moral, arrastando o marido, já sem forças suficientes para a acompanhar em todas as demandas enquanto encara as duas facetas da mulher com quem casou. História estranha que relembra a boémia aborrecida de quem procura as próximas barreiras morais para ultrapassar, talvez mais por enfado do que por verdadeira rebeldia.

Uma alma pura é uma história que vai reunindo todas as pistas para o desfecho catastrófico. Nada é uma surpresa – é como se as escolhas das personagens não pudessem conduzir a outro destino. A acção é transmitida através de cartas entre dois amigos de longa data, outrora namorados. A jovem vai apresentando a correspondência entre ambos, conjugando-a com as memórias dos tempos passados entre ambos, agora separados fisicamente pelo Oceano e ideologicamente pela vida.

Em Malintzin das Maquillas explora-se o dia-a-dia das trabalhadoras mexicanas nas fábricas. Entre a vivência nas barracas e o longo horário de trabalho estas mulheres, algumas mães solteiras, tentam extrair de pequenos momentos a pouca felicidade que conseguem, apesar de subsistirem num precário e frágil modo de vida. Se por um lado dificilmente irão encontrar melhor emprego ou promoção, não deixam de sonhar com o dia em que serão libertas.

Qual a aldeia que não conheceu um padre com alguma afilhada, criada ou prima? Em A Criada do Padre toda a aldeia comenta a rapariga que serve o homem de batina sem que percebam se a relação dos dois – será uma relação pura de pai-filha, ou algo pecaminoso? Sendo o padre o único membro da igreja num raio de vários quilómetros, mais vale não questionar. A rapariga, essa, aprendeu cedo a calar-se, chegando a ser considerada por muitos como uma idiota.

O quotidiano de ambos é quebrado pela chegada de um estudante lesionado por uma escalada que procura na casa do padre auxílio. Este, após cuidar do rapaz, deixa-os propositadamente sozinhos, com a esperança de provocar o pecado para surgir depois como salvador. Os planos que tece seguirão como pretendido ainda que a longo prazo possam existir consequências imprevistas.

A linha da vida é o conto que fecha o conjunto acompanhando um grupo de prisioneiros que conseguiu escapar da prisão onde as execuções são comuns. Os quatro pretendem separar-se esperando que pelo menos um seja capaz de salvar-se. Infelizmente, o cenário político e militar que os espera não é o pensado.

Ainda que não pareça existir uma relação coesa entre as várias histórias, a maioria explora essencialmente a condição humana em situações irónicas de contraste social, sem necessidade de cair no pior do ser humano. Carlos Fuentes apresenta histórias de conformismo dos que rodeiam estas situações, fazendo simultaneamente um comentário político e social ao se debruçar em episódios comuns e desesperantes do ponto de vista quase banal e corriqueiro.