A Guerra Civil Espanhola é um tema sensível. Não só separou Espanha (separou e continuou como ressentimento, motivo de separação no país pouco homogéneo) como famílias e vizinhos. Sobre os efeitos da Guerra Civil Espanhola existem, actualmente, diversos relatos, mas pouco se fala nos refugiados espanhóis que conseguiram escapar num barco, recusados por vários portos, tratados como indigentes e escorraçados pela sua cor política, vista como um perigo maior do que o fascismo.
Miguel Ruiz encontra-se em França. Tendo sobrevivido à situação de refugiado, trabalhador no deserto, acabou por participar na Segunda Guerra Mundial, integrando uma unidade militar composta por espanhóis republicanos. Eis um passado que os seus actuais conhecidos não suspeitam, vendo nele apenas um velhote, até ao momento em que um jovem aparece em busca de detalhes para uma história.
O velhote recusa, ao princípio, reticente em partilhar as memórias há muito enterradas. Persistente, o jovem não desiste e consegue que lhe sejam contados os mais mirabolantes momentos, elementos específicos de uma dolorosa história de guerra, mas sobretudo de resistência ao Fascismo – uma história enterrada pelo tempo e pela vontade de esquecer as atitudes incorrectas que foram tomadas para com este grupo de espanhóis.
Se, noutras histórias do autor, o lado humano e sentimental constitui premissa, poderíamos, talvez, esperar que numa história de guerra tal não se notasse. A verdade é que Paco Roca é perito em expressar as singularidades do comportamento, definindo personalidades em poucas vinhetas, captando expressões e gestos que marcam e tornam as personagens palpáveis.
As reacções do velhote ganham vida numa curta sucessão de quadrados e rapidamente sentimos que conhecemos e percebemos um pouco mais deste homem. Mas não só. Até as pessoas que o rodeiam e que fazem parte do seu quotidiano são retratadas de forma única, captando-se pequenos episódios que revelam o tipo de relacionamento que os protagonistas têm.
Os trilhos do acaso pode ser a história encoberta de uma guerra, mas, mais do que isso, é a história de um homem (ou da possibilidade de um homem), um herói que se reduziu à quase inexistência no seguimento de alguns constrangimentos pessoais e cuja história foi apagada por vergonha.
Os Trilhos do Acaso foi publicado em dois volumes na colecção Novela Gráfica publicada pela Levoir em parceria com o jornal Público.