Na realidade futura apresentada em Watchers um grupo de jovens (Watchers) usa a tecnologia para criar canais que expõem o mundo que os rodeia. Sem filtros, sem análises nem contextos, as filmagens são divulgadas para todos os que as quiserem ver. Começando com episódios fofinhos e caricatos, a busca de mais seguidores e de mais reacções nas redes sociais depressa leva a que sejam filmadas situações mais inusitadas, ridículas, perigosas e violentas.

Sentinel é um dos mais conhecidos Watcher – um jovem anónimo, sem rosto, que consegue captar os episódios mais curiosos e mais populares. Mas a que custo? Sentinel não se remete apenas ao papel de observador e a vontade de aumentar a sua populariedade leva-o a provocar situações de conflito com as quais alimenta o seu canal.

De interferir a provocar, Sentinel passa a tentar exercer justiça pelas próprias mãos, mostrando-se como uma espécie de justiceiro, omnipotente, que tudo vê e tudo pode fazer. Mas não por muito tempo. As suas intervenções já provocaram o envolvimento da polícia, e pouco falta para ser descoberto.

Watchers, de Luís Louro, permite muitas leituras. Primeiro, o mundo futurista que retrata é tão deprimente quanto o nosso, carregado de jovens sem futuro ou sem destino, que não sabem o que fazer da sua vida e como ultrapassar as contrariedades com que se deparam. Por outro, trata-se de uma crítica à sociedade actual, que se centra, excessivamente, nas redes sociais, e para as quais se projecta uma realidade e para a qual se criam expectativas.

 

Em busca de comentários, aceitação e atenção, há quem perca a noção do que é certo e errado, e exponha a privacidade – a sua e a dos outros. Por outro lado, a possibilidade de ter um feedback imediato leva ao à divulgação, sem filtros nem contexto, de notícias e interacções, por uma única perspectiva, viciada. As notícias passam de informação imparcial a pedaços de novelas quotidianas, cedendo-se aos desejos mais primitivos de sexo e sangue.

Sentinel produz, na prática, um misto de reality show e programa noticioso, elevando o seu canal a milhares de visualizações. Mas a que custo? Até que ponto o que retrata é real ou provocado? Da mesma forma, se pode transpor esta crítica para o que vemos nas redes sociais – divulgações de perspectivas viciadas, notícias que misturam a verdade com o ficcional, desinformando ao invés de informar. Watchers leva esta escala esta componente, levando-a ao extremo, num enredo bem composto, contínuo,  lógico e coerente.

Watchers foi publicado em Portugal pela Editora Asa e possui duas versões, uma com título a branco e outra com título a vermelho, duas versões que apresentam finais diferentes. A edição que li e comentei é a vermelha. De realçar, também, que a par com as notícias de Sentinel são apresentados alguns comentários dos seguidores, sendo que alguns dos seguidores ficcionais possuem nomes associados a personalidades reais da banda desenhada.