
The Testaments decorre na mesma realidade ficcional de The Handmaind’s Tale mas possui uma estrutura algo diferente, centrando-se em três personagens distintas que possuem uma visão muito diferente da realidade em Gilead: uma “Tia”, uma adolescente que se tornará uma “Esposa” e uma adolescente que cresceu fora de Gilead.
O Reino de Gilead está em colapso, ainda que tal não seja evidente a quem vive dentro de quatro paredes, tentando concretizar a função que lhe foi destinada. A comunicação entre as pessoas é escassa, bem como o fluir de informação – mas é exactamente a componente de informação que permitirá que algumas personalidades obtenham grande poder.
Na sociedade de Gilead as mulheres são direccionadas para determinadas funções de acordo com o seu berço. As mulheres de boas famílias serão Esposas, casando com comandantes a quem obedecem cegamente. Já as que denotam alguma incompatibilidade com o casamento poderão ser Tias, mediante alguns critérios de obediência e de mente. Para além destas, existem as Marthas (responsáveis por todas as tarefas domésticas), as Servas (que servem para fornecer filhos às Esposas que se revelem inférteis), e as econo-esposas (casadas com homens de profissões menores).
Uma das três personagens principais é uma Tia. As Tias serão as responsáveis por regular o mundo das mulheres, fazendo a ponte com os comandantes, que acham estar acima das questões femininas. A Tia em que a história se foca era uma antiga juíza, alguém que nasceu numa família pobre mas que conseguiu traçar o seu caminho profissional de forma exemplar. Quando as mulheres são retiradas da vida profissional, consegue agarrar uma nova oportunidade e tornar-se uma das figuras femininas mais proeminentes neste novo mundo fanático.
Paralelamente, vamos acompanhando a história de duas adolescentes. Uma delas é a filha de um comandante importante. Mas o seu papel social treme quando a mãe falece e a nova esposa do comandante traça um plano para se livrar da jovem, apressando um possível casamento. Dada a sua incompatibilidade com a perspectiva de ter um marido, consegue escapar a este destino e tornar-se uma Tia.
A terceira personagem, também adolescente, vive fora de Gilead, no Canadá, mas vai ouvindo sobre esta realidade feminina, e sendo confrontada com as meninas das pérolas, missionárias de Gilead que procuram converter novas raparigas. O seu mundo desaba quando os pais são mortos numa explosão e descobre ter origem em Gilead.
A corrupção vai crescendo em Gilead. Se, em Handmaid’s Tale a perspectiva tinha sido muito limitada (porque a própria personagem não tinha grande visibilidade sobre questões políticas), neste volume temos outra percepção. A Tia em que se centra a história colecciona factos sórdidos dos que a rodeiam, como forma de ir manipulando personalidades poderosas.
Por outro lado, vamos percebendo como as pessoas são educadas para não fazerem perguntas, para desenvolver discursos indirectos e carregados de segundos sentidos, e como qualquer falha perceptível é punida de forma exemplar e severa – o sistema estará construído para que todos saibam que são vigiados, não existindo nenhuma personalidade segura.
E de que forma é instalado tal método? Separando as pessoas, impedindo-as de se unirem, fomentando diferenças e levando todos a optar pelo caminho da sobrevivência pelo medo – medo de morrer, medo da tortura, medo pelos filhos. Como manter tal sociedade? Obrigando as pessoas a permanecer na ignorância, a aceitarem o seu lugar mais fraco e fazendo acreditar que qualquer um nos pode denunciar. Até porque se não denunciarem e mais tarde se descobrir a verdade, quem não denunciou terá um castigo semelhante. Vinga o medo.
Este segundo volume torna-se interessante pela visão que estas personagens têm de Gilead. Perde-se o factor da descoberta desta distopia para quem já leu o volume anterior, mas acrescentam-se novas perspectivas e novos factos que contribuem para uma melhor percepção de como foi possível implementar tal realidade num país supostamente desenvolvido.
The Testaments constitui uma leitura interessante que deve ser lido depois de The Handmaid’s Tale. A oscilação entre três diferentes personagens torna-o mais fragmentado, ainda que a história das três se cruze com um objectivo narrativo maior. Mas é também estas oscilação que permite ganhar uma melhor percepção de Gilead e dos horrores que estão por detrás de tal criação social.
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