
I Hate Fairyland foi uma série com pontos muitos altos e pontos intermédios. Com um primeiro volume genial, que cativa pela disrupção das histórias em reinos fantásticos com crianças como protagonistas, e um terceiro excelente por conseguir introduzir novidade e ritmo à série, I Hate Fairyland consegue ser pouco inovador nos outros dois volumes. Ainda assim, no seu todo, a série tem conceitos explorados de forma subversiva sob um visual fofinho, o que a torna demente e impressionante.

Depois de dar cabo de todas as histórias fantásticas com crianças, o autor cria uma outra série de banda desenhada que cumpre os dois requisitos – elementos fantásticos e a viagem de auto-descoberta de um jovem. Esta sequência é no mínimo curiosa e levou-me a experimentar este Middlewest.

De início algo lento (numa evidente tentativa de criação de empatia) e com alguns clichés, a história demora algumas páginas a arrancar verdadeiramente. Mas o problema dos clichés (e das fórmulas das narrativas fantásticas) é que por vezes funcionam e, ainda que não seja perfeito, Middlewest consegue ter elementos que me levarão a ler os próximos volumes.

Abel vive uma existência mais dura do que seria necessário. A mãe há muito que os deixou. Mas para além disso, o pai vive num permanente estado de irritação que transforma o quotidiano num furacão de culpas, castigos e violência verbal. Apesar de se mostrar responsável e trabalhador, um ocasional (e compreensível desvio) é o suficiente para causar discussões e punições. O relacionamento com o pai está claramente a atingir o limite de frustração.

Após uma sucessão de episódios desagradáveis entre pai e filho, uma nova discussão entre ambos termina com um furacão – um furacão que destrói o barro e que leva Abel para bem longe. Expulso da casa que já não existe, Abel faz-se à estrada com uma ferida crescente no peito que ameaça explodir a cada crise de agressividade.
Acompanhado por uma raposa falante, Abel irá enfrentar desafios pelo caminho – caminho este que o leva a ser protegido por uma figura paternal que o poderá ajudar a curar-se.

Entre alguns elementos fantásticos (pouco fofinhos), criaturas malignas, animais que comunicam e pais abestalhados (que nos levam a sentir empatia pela criança) Skottie usa os clichés de forma competente. Não falta um amigo animal para dar conselhos (e uma perspectiva mais sarcástica), nem sequer um robot com tiradas irónicas.

Apesar de algumas imperfeições narrativas nas páginas iniciais, é impossível não sentir empatia para com a personagem. As primeiras páginas possuem um tom algo diferente das restantes (mais pausado com argumentos circulares) com o intuito de mostrar o quotidiano do rapaz. Ainda que momentos adicionais semelhantes sejam posteriormente mostrados em flashback, julgo que teria sido proveitoso diminui-los neste início.

Após este início lento, a narrativa flui. Os primeiros momentos na estrada são algo disconexos, mas a partir do primeiro terço o volume ganha força e vontade, mostrando o estabelecer de relacionamentos e o desenvolver de um forte sentido de pertença.

Aos elementos fantásticos junta-se o usual elemento de urgência. A ferida de Abel cresce e importuna, ameaçando uma transformação desconhecida e dolorosa. Um mistério parece unir pai e filho – um elemento cliché que tem de ser gerido com muito cuidado para não se tornar banal! Veremos como o autor desenvolve a narrativa neste sentido!

Em termos visuais, a arte de Jorge Corona alia-se impecavelmente à narrativa. As cores são variadas sem grande excesso – excepto no circo, mas o que não é excessivo num circo? Os desenhos conseguem transmitir elementos caricatos mas fofos, bem como uma grande expressividade e um bom sentido de assombro fantástico.

O resultado cativou-me. O segundo volume já vem a caminho. Depois de I Hate Fairyland (em que goza com todas os clichés e narrativas fantásticas) o autor desenvolve esta história fantástica de forma competente. Estou curiosa para ver o desenvolvimento de algumas componentes e o rumo que vai dar a alguns clichés.