O primeiro volume foi das melhores leituras de 2020 – uma história simultaneamente brutal e amorosa que nos leva a um contexto semelhante ao de Animal Farm de George Orwell, mas em que ao invés de porcos, temos cães opressores liderados por um touro. Enquanto todos os animais se esforçam para ganhar a sua parcela de comida e conforto, o touro vive na opulência, instalando um registo ditatorial. A história é centrada numa gata que, com a ajuda dos amigos, tenta fazer uma resistência moral mas pacífica dada a diferença de força física.

O primeiro volume tinha-se destacado pela novidade: premissa interessante, boa caracterização de personagens, uma distopia perfeita a partir da qual se podem criar vários paralelismos com a realidade. O segundo choca ao manter a forte empatia do primeiro, mas levando a situação a um extremo que julgávamos impossível. A boa disposição é partida, a força de lutar reduz-se perante condições cada vez mais duras.

A história

Neste segundo volume continuamos a acompanhar, sobretudo, Miss B., uma gata que, sozinha tenta alimentar e criar dois gatinhos, matando-se a trabalhar no transporte de pedregulhos. A morte de uma amiga (no volume anterior) e o estabelecer de uma forte amizade com um viajante gravemente ferido pelos cães irá traçar o início da resistência silenciosa que usa, sobretudo, situações ridículas para tentar combater a ditadura em que se encontram.

Mas toda a moral da resistência irá ser abalada pelo duro Inverno, sobretudo quando têm de pagar pela lenha que apanham. Negando-se a pagar, tentam outras estratégias para ultrapassar o frio, como, por exemplo, recolherem-se num abrigo. Quando este arde (resultado da sabotagem dos cães, claro) e vários animais começam a ficar doentes, não podendo, assim, trabalhar, é o próprio touro que se irá preocupar por, também ele, já não ter lenha para se aquecer. Mas nem assim há-de aliviar as medidas para com os restantes animais, instalando-se um clima de terror com o assassinato de uma das principais figuras da resistência.

A narrativa

O foco da história continua a ser Miss B., ainda que se mostrem episódios centrados nas restantes personagens, sobretudo no touro e nos cães. Esta abordagem permite dar ao leitor uma perspectiva maior sobre ambos os lados da história, e mostrar a estratégia do touro para se manter no poder.

A história é capaz de criar uma grande empatia para com o leitor, mostrando uma perspectiva muito pessoal de personagens com defeitos, mas também com virtudes, criaturas de características humanas apesar da sua aparência animal. Esta caracterização das personagens faz-se sobretudo demonstrando pequenos gestos e trocas de palavras que, não correspondendo à linear resistência de poder, exemplificam os laços de amizade e amor que se estabelecem entre os animais.

A narrativa revela um extraordinário controlo por parte do autor, que vai apresentando os acontecimentos com a devida cadência contida. Entre cada episódio decisivo sente-se o crescer da tensão entre as duas facções, que resulta numa resolução cada vez mais pesada e cada vez menos esperançosa, apesar de todos os bons sentimentos e boas intenções dos que estão sob o jugo do touro, o Presidente Sílvio.

Sente-se uma contínua perda de esperança. Se, no volume anterior, antes do Inverno, se sentia a ditadura animal como uma restrição de expressão e trabalhos forçados, neste volume sentimos o agravar da situação. Ou, simplesmente a empatia para com as personagens cresceu e percepcionamos cada reviravolta com mais força.

O paralelismo com Animal Farm de George Orwell torna-se, neste volume, ainda mais marcante, com uma passagem que revela que antes do touro, os animais encontravam-se sob o domínio dos porcos, que rapidamente se tornaram déspotas. No volume anterior não tinha encontrado (ou passou-me despercebida) uma referência tão óbvia ao Animal Farm.

Comparativamente, O Castelo dos Animais utiliza a mesma ideia, mas aproveita-a para tecer uma narrativa bastante mais complexa e envolvente, a partir da qual se podem, também, tecer paralelismos com as ditaduras humanas. Os animais mais fracos ou de boa índole saltam de distopia em distopia, governados pelos mais fortes ou mais espertos, regulados, controlados e alvo de esquemas maliciosos que têm como único objectivo manter o poder com os de sempre.

O desenho

O desenho é fabuloso. Por um lado, é bastante expressivo, conseguindo transmitir sentimentos e pensamentos através da postura e da expressão facial das personagens. Algo complicado quando não estamos sequer a falar de personagens humanas. Orelhas baixas, olhos esbugalhados e sobrancelhas tensas. Por outro, apresenta os animais com realismo convincente.

Conclusão

Passada a novidade do primeiro volume, a maioria das séries baixa o nível no segundo. Não é o caso em O Castelo dos Animais. A tensão crescente e o desaparecer da esperança sentem-se com força ao longo deste tomo, em que o autor aproveita a maior empatia com o leitor para levar a premissa por novos caminhos. Uma leitura extraordinária, mas pesada que me levou a desesperar pelos próximos volumes.

Esta edição, em capa dura e aveludada, foi lançada em Portugal pela Arte de Autor.