
Entre as obras de Jeff Lemire encontramos uma obra de ficção científica. Não é a única do autor (recordo uma das séries de ficção científica que está no meu topo – Descender) mas distingue-se pela combinação de elementos de sub-géneros muito distintos: uma humanidade em extinção, a exploração de diferentes planetas, o confronto com uma espécie alienigena que vive em paz com a natureza e uma Londres de detalhes steampunk.

E como coordenar estes géneros numa única história? Bem, a narrativa apresenta duas linhas distintas, uma em 3797, outra em 1921. Na linha de 3797 encontramos uma investigadora, Nika Temsmith, que tenta encontrar um remédio para a doença que está a exterminar a humanidade. Esta busca leva-a a explorar um planeta habitada por alienígenas que vivem em paz com a natureza. Mas quando aceita tomar uma beberagem que lhe oferecem, é atirada para um portal.

Paralelamente, uma expedição explora o interior do continente sul americano, em 1921. O encontro de uma espécie alienígena resulta num confronto violento. Um homem, William Pike, perde-se dos demais e encontra Nika no meio da floresta, perto de uma pirâmide. O encontro é carregado de empatia e reconhecimento, levando-os a partilhar memórias e existências – William acaba em 3797, Nika em 1921.

A partir daqui, as suas linhas temporais são refeitas para se adaptarem à troca – mas as suas memórias duplicam-se. Recordam-se de uma outra existência, de alguém com quem sentiram uma ligação profunda, mas estas recordações não parecem enquadrar-se no presente. De forma a representar esta ligação, cada página apresenta duas narrativas opostas e invertidas (uma em relação à outra).

Alguns episódios são estranhos e sonhadores, sem motivo lógico – quase uma viagem psicadélica. A ligação entre as duas personagens é algo forçada e, ao contrário da maioria das narrativas do autor, não é dado espaço suficiente para haver grande empatia pelas personagens. E, no entanto, existe algo que me cativou durante a leitura, apesar de reconhecer que, em termos narrativos, não é o melhor que o autor já fez.

A componente visual é transmitida pelo traço peculiar de Jeff Lemire, mas aqui mais cuidado do que noutros trabalhos dele em que se apresenta mais rascunhado. O resultado são algumas páginas com muito bom aspecto. Não desgosto de ver este traço nalgumas narrativas, mas entendo que posso não ser ao gosto de todos.

A história é movimentada, ainda que a escolha de confrontar, numa mesma página, as duas linhas narrativas resulte, por vezes, nalguma confusão visual e desconforto na leitura. A história apresenta alguns momentos menos coerentes ou confusos e, ainda que se coadunem com o sentimento de sobrenatural que rodeia a narrativa, nem sempre permitem que o autor se embrenhe totalmente na história.

Em suma, Trillium é uma obra engraçada que apresenta vários elementos de ficção científica. A meu ver, a história precisava de aprofundar o relacionamento entre as duas personagens antes de quebrar as linhas narrativas para melhor justificar os paralelismos e criar ligação com o leitor. Não sendo o melhor do autor (que tem uma fasquia muito elevada) também está longe de ser o seu pior.